Curitiba, 10 de fevereiro de 1990
JÔ BRASKA NEGRÃO. Bailarina, psicóloga, proprietária da Dan’ Jô Ballet é a nossa entrevistada de hoje. Com vários cursos de aperfeiçoamento no exterior, Jô se destaca dirigindo a escola e repassando seus conhecimentos com sucesso. Muitas vezes premiada por sua competência na área, ela nos conta como foi a sua escalada e o que pretende realizar. Esta é Jô.
Izza – Como surgiu a dança em sua vida?
Jô Braska – Em 1973 eu comecei a dar aulas no Jardim de Infância Joaninha como professora de dança. Na época eu também fazia parte da seleção paranaense juvenil, mas infelizmente tive que abandonar definitivamente o vôlei por causa de um acidente que tive com o meu pulso. Então a partir daí decidi me dedicar exclusivamente à dança. Fui para o Ballet Morozowich. Lá, fiz o último ano, quando a Milena me convidou para fazer o Ballet Moderno. Entrei mas continuei a dar aulas no jardim. Na sequencia minha mãe decidiu montar uma escola de Ballet na Alameda Cabral e comecei a me dedicar intensamente. A escola foi crescendo, passamos para outro local na Prudente de Morais, e daí por diante não paramos mais.
Izza – Você passou um tempo fora do Brasil?
Jô Braska – Em 1979 consegui uma bolsa. Fui para a França com a Maria Luiza Miró de Córdova onde ficamos quatro meses. Segui para Bruxelas e Londres. Depois disso todos os anos nos meses de julho, dezembro, janeiro e fevereiro eu ia com a UNIC – União Nacional de Intercâmbio Cultural levar grupos para Nova Iorque. Em 1984 eu tive uma oportunidade de ir a Boston. Como eu já tinha montado vários musicais, levei várias cartas de referências e o Jaime Lerner dava muito incentivo, assim como o Ney Braga, governador na época. Me inscrevi para um curso de iniciação na Universidade de Harvard. Eram quinhentos e poucos pedidos de bolsas para oito vagas e eu fui uma das privilegiadas.
Fui a primeira da América do Sul que conseguiu uma vaga na área. O curso de extensão durou seis meses. Em seguida fui convidada pela diretora de artes da própria Universidade para prestar uma audição no Conservatório de Boston de Teatro, Música e Dança. Fui, passei, dei aulas quase um ano. Retornei para a Universidade de Harvard onde eu conhecia a Sabrina Peck que até hoje continua sendo a diretora de Citystep Dance Company, uma companhia de dança composta por bailarinos e professores que dá assistência à prefeitura de Cambridge. Um grupo que dá aulas nas escolas da prefeitura, superinteressante. Eles dão para o grupo fantasias, sapatilhas, teatro, músicos, o que precisar durante o ano todo e em troca o grupo dá aulas uma vez por semana nas escolas públicas. No final do ano há uma apresentação para as escolas dos Estados Unidos. Eles locam o melhor teatro que está dentro da Universidade mesmo. Em 86 voltamos para cá.
Izza – Qual foi o próximo passo?
Jô Braska – Bem a minha parte da escola eu havia vendido para a minha mãe. Ela arrendou e infelizmente a escola tinha caído em qualidade.e técnica. Confesso que eu não tive vontade de assumir a direção artística. Preferi ser a proprietária. Resolvi assumir, sofri grandes pressões e parti para a montagem do “Corpo Dança Senior”, um grupo de alunos adiantados. Sempre valorizei muito não somente a parte corpo, dentro da sala de aula e sim a parte de teoria de conhecimento cultural. Se perguntarmos para uma grande maioria: você gostou do Ballet? Se a pessoa desde criança não tiver aprendido como fazer uma crítica, vai responder: gostei ou detestei, somente. Não é resposta, o importante é saber dizer por que, justificar. A arte é muito difícil de ser definida.
Izza – E o lado financeiro?
Jô Braska – Montei também uma confecção de Lycra para exportação que deu muito certo. Vim preocupada com o lado financeiro porque a arte alimenta o ideal e você sabe que no Brasil depois do Plano Cruzado é difícil ser músico, jornalista, bailarino. Qualquer pessoa ligada à arte se não tiver um bom empresário ou incentivo, sofre. Insisti no “Corpo Dança” que continua sendo concorridíssimo até hoje. Como observei que muitas meninas novas com muito talento se interessaram, montei o Corpo Dança Junior que hoje é a pupila dos meus olhos, uma turma que me satisfaz inteiramente e me incentiva.
Izza – Manter equipes boas de professores não é difícil?
Jô Braska – É difícil treinar e manter equipes. Pessoal voltado a treinar e estudar o que estão fazendo não se acha com facilidade. Hoje, aqui em Curitiba 80% das escolas que estão funcionando são na maioria de ex-alunos meus ou ex-professores.
Izza – E o curso em Leningrado?
Jô Braska – Fui convidada pela embaixada da União Soviética. Foi em 88, janeiro e fevereiro. Pude estar no Kirov Ballet onde assistia os ensaios, a maneira de dar aulas, a técnica, etc. Fiquei apaixonada por Leningrado. Não por ser um país comunista mas pela arte da União Soviética, pela maneira, pela seriedade com que o governo apoia o bailarino homem ou mulher desde o início. Lá eles têm condições até melhores do que se tivessem outra profissão. E eu tive uma oportunidade muito grande por ter podido contar com a influência de uma pessoa na embaixada. Eu pude conviver dentro das escolas, acompanhando os bailarinos desde o seu dia-a-dia, o que faziam ou pensavam, e por que eles pensavam de uma ou outra maneira. Que bom seria se aqui, algum dia acontecesse o mesmo. Eles acham que se a pessoa decidiu se dedicar à arte, merece o melhor carro, a melhor moradia, mais do que uma pessoa que não seja artista. O palhaço tem uma profissão de luxo porque tem um Q.l. privilegiado, com talento, repassando emoções. Eu realmente fiquei deslumbrada. Claro que eles têm problemas políticos, financeiros, mas não chegam a atingir as pessoas ligadas à arte. Bem, depois segui para Moscou onde aprendi muito.
Izza – Eu soube que você já trabalhou em São Paulo. Como foi essa época?
Jô Braska – Quando voltei da União Soviética trabalhei em Curitiba e em São Paulo. Foi muito bom porque atuei com o Ballet Stagium, levei ex-alunas minhas para a audição que hoje fazem parte deste grupo. Morei em São Paulo muito tempo e gosto da arte paulista porque as pessoas são rápidas.
lzza – No Brasil as técnicas são muito diferentes dos outros países?
Jô Braska – Durante este tempo que fiquei lá fora, colhi tudo o que existia de bom e adaptei aqui. Claro que a nossa cultura é diferente, a alimentação, a postura, por isso tive que adaptar com sensibilidade. Não adianta querermos aplicar exatamente a mesma técnica por estes motivos que expus. Hoje eu sigo a minha rota e dentro desta colocação tenho o meu programa anual.
lzza – Destes países que você conheceu, qual se assemelha mais com o nosso, em matéria de técnica?
Jô Braska – Conforme a escola e a técnica, vou te dar um exemplo. O estilo no qual podemos nos guiar é dos Estados Unidos. A Europa tem, em determinadas regiões. No Norte do Brasil usam muito os quadris, no centro, usam os pés, pernas e depois quadris e no Sul usam mais as mãos e o tronco para depois vir o corpo todo. E aqui no Sul podemos notar uma influência muito européia, que vem mais das polkas, da balalaikas das regiões mais doces. Já para o centro houve uma influência: samba, carnaval e lá para cima é africano, o frevo, etc. Nós hoje não temos um estilo brasileiro.
Izza – Quais as medidas que você adota quanto à disciplina dos alunos?
Jô Braska – Os alunos do junior não podem repetir o ano, nem ficar para recuperação no colégio se não não dançam no final do ano. É interessante como se consegue despertar o QI do aluno porque geralmente no terceiro bimestre todos já passaram. A criança se estimula quando tem uma coisa que ela possa realizar. Ao mesmo tempo em que ela pode fazer uma pirueta ela corre em busca de outros objetivos. Eu também como psicóloga apesar de não atuar na área consegui ver isso. Adotei também um Training para igualar os alunos. Aqui temos também um lado de recreação social que é muito importante. No final do ano fizemos uma cachorrada quente onde escalei as meninas, de duas em duas, cada dupla tinha a sua parte a cumprir, foi ótimo, assim todas se sentiram importantes, e são importantes. Mesmo para as alunas pequenas eu nunca passo circular. Ponho em edital e elas próprias tem que ler e resolver, isso desenvolve o senso de responsabilidade.
lzza – Você dança ainda?
Jô Braska – Eu dancei até 81, depois dancei até 84 em Nova Iorque e depois no Citystep Dance em Boston.
Izza – O que seria exatamente o Corpo-Dança?
Jô Braska- É um curso de aperfeiçoamento. São alunos que já fizeram longo tempo de dança. Tem até formados mas que necessitam complementar os conhecimentos. Ele dá para o aluno todo o conhecimento de Ballet Clássico, moderno, espaço, senso de coreografia. E dentro disso eu coloco aulas em que o aluno aprende a fazer o seu coque, a sua própria maquiagem, seu figurino, ser líder, aprender o que é um teatro; etc. E além de tudo isso ele tem a liberdade de trocar idéias sobre suas curiosidades. Não é somente uma aula de barra e música. O que divide o “Corpo Dança Senior” do Junior é somente a faixa etária e a carga de exercícios devido a diferenciação de musculatura.
lzza – Para finalizarmos esta conversa, o que você pretende fazer este ano?
Jô Braska – Aqui na Dan’ Jô, este ano, nós vamos modificar a escola. Vamos ter sapateado, ginástica, Ballet moderno, o clássico, o acadêmico, jazz e o grupo Corpo Dança. Em julho teremos muitos professores de fora. Estou montando um novo esquema. Os que já estão vão se reciclar. Como temos muito espaço, inclusive um anfiteatro, vamos ceder espaço para que bons profissionais possam trabalhar conosco. Também para grupos que queiram local para ensaios, montagem de produções. Queremos também fazer um convênio com a Fundação Cultural na área de música. Estamos com muita vontade e é isso que eu gosto de fazer. Daqui para frente teremos quase que uma associação de pessoal gabaritado. Um centro de artes. Faremos uma reforma geral, cantina, etc. Eu possivelmente vou ficar na área artística. Pretendo formar uma equipe fantástica, de excelentes profissionais de larga experiência. A parte administrativa vai ficar com a Dra. Circe Maria Lejambre que já trabalhou na Secretaria de Educação, foi diretora do Conservatório de Música de São Paulo, e já trabalhou na Funarte. É uma pessoa sensacional que gosta de projetos.