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” Me realizo nesse serviço” afirma Eliane Amélia Fernandez

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Curitiba, 1 de Julho de 1990

 

Tudo começou quando ela passou em 1º lugar no concurso para Delegado de Polícia. Hoje ela é titular da Delegacia da Mulher, órgão que desperta interesse e que já existe há 5 anos. O assunto é interessante e é o tema de nossa conversa.

 

lzza – O que você está achando deste programa “Delegacia da Mulher”? É parecido com a situação atual?

Eliane – Um pouco sim, no aspecto policial que eles têm enfocado. Entendo que um programa de televisão requer floreios, como romances, etc. Conforme declaração da própria escritora na Revista Veja, se fosse reproduzida a cruel realidade de uma Delegacia de Mulheres, ficaria uma chatice para o telespectador que liga a TV para se distrair; consequentemente, ela faz a cena policial, enfoca o lado amoroso e satiriza um pouquinho, para melhor chamar a atenção.

lzza – Quando nasceu a Delegacia da Mulher?

Eliane – Em 1985 e hoje, pela estatística, é a segunda Delegacia mais procurada aqui em Curitiba. A primeira é a Furtos e Roubos e logo em seguida vem a nossa com aproximadamente 30 registros de queixas diárias.

lzza – No início deste trabalho, as mulheres não se mostravam resistentes em dar queixa?

Eliane – Não, pois logo que ela foi criada as mulheres começaram a defender os seus direitos. Antes sim elas tinham medo de ir a uma Delegacia onde seriam atendidas por homens, tinham até vergonha de relatar os pormenores, às vezes era uma situação vexatória e por isso foi criada a Delegacia da Mulher, onde elas são atendidas por uma Delegada, por uma escrivã e têm chance de relatar exatamente, sem inibição o que aconteceu.

lzza – A quem se deve a criação da Delegacia da Mulher?

Eliane – Face a um crescente número de ilícitos penais a que a mulher estava sendo vítima e devido à omissão e à relutância em denunciar, os Conselhos da Condição Feminina Estadual, Municipal e outros movimentos feministas de uma forma geral, pressionaram no sentido de que fosse criada esta Delegacia para que a mulher tivesse atenção especial, por que na verdade, ela continua sendo discriminada, por isso essa necessidade de atendimento. Reconheço que aos poucos a mulher está conquistando o seu espaço, mas ainda não atingiu aquela independência. Ainda são poucas as que ocupam posições de poder, mas aos poucos eu creio que iremos chegar lá.

lzza – Os problemas são resolvidos rapidamente ou ainda existe a demora burocrática?

Eliane – A mulher vem até aqui, registra a queixa, intimamos o agressor – a parte contrária – a comparecer a uma audiência onde a vítima também estará presente, para contatar com o setor psicossocial. Primeiro haverá uma triagem com a psicóloga e com a assistente social. Se elas chegarem à conclusão da necessidade de um inquérito po-icial, ele será encaminhado. Se for apenas uma discussão de âmbito familiar, enfim, um pequeno caso que possa ser solucionado facilmente, damos toda a orientação. A função de nossa Delegacia é social, acima da policial. Aqui não queremos destruir famílias, tentamos reconciliar, orientar sobre os direitos da mulher e do marido. Se o fato for grave e não houver possibilidade de melhoras, é instaurado inquérito. No caso de estupro ou sedução, não há possibilidades de reconciliação. Ela só existe nas pequenas agressões. O maior problema geralmente responsável pelas inúmeras ocorrências, é o alcoolismo. Quando o agressor reconhece a sua culpa é encaminhado para os Alcoólatras Anônimos ou para o Centro Psiquiátrico Metropolitano (quando o caso é de muita gravidade). Quando o caso é forte, violento, o inquérito é instaurado automaticamente.

lzza – Como foi a sua escalada profissional?

Eliane – Eu comecei a trabalhar com 16 anos de idade no Instituto de Identificação, como contratada. Quando completei maioridade, fiz um curso para datiloscopista (impressões digitais). Parti para o curso de Direito e, logo que me formei, fiz concurso para Assistente Jurídico do Estado. Fui então trabalhar na Assessoria Jurídica do Conselho da Polícia Civil. Até então, concurso para de-legado era coisa só para homem até que em 85, com a criação da Delegacia da Mulher, houve necessidade das mulheres entrarem no concurso. Foi estipulado inclusive, um total de oito vagas femininas. O que nós estamos esperando agora é que não haja mais esta distinção, que os concursos sejam abertos para homens e mulheres, onde quem passar entra. Há ainda machismo dentro da polícia. Para escrivão, sempre o maior número de vagas é para os homens e menor para as mulheres. Como eu estava dizendo, me inscrevi para o Concurso e acabei passando em primeiro lugar. Então assumi como Delegada Adjunta na Proteção ao Menor, depois na divisão de Investigações Criminais, Divisão Policial da Capital e agora estou há um ano na Delegacia da Mulher.

lzza – Em intervenções policiais que exijam força física, como você procede?

Eliane – Há uma operação programada para julho na qual a Delegacia da Mulher fará ronda em toda a cidade, onde sairão duas viaturas com nossas detetives. Um delegado homem nunca vai sozinho fazer um serviço deste tipo, assim como eu não vou só. Vou acompanhada por agentes. Estaremos em cinco ou seis elementos e assim não haverá problemas de um homem resistir à prisão. Depois, temos três meses de preparo na Escola da Polícia, com aulas de tiro, defesa pessoal, inclusive passamos pelos mesmos testes físicos que os homens: subimos em cordas, acampamos, rastejamento, todo o condicionamento necessário para que estejamos preparadas para qualquer situação. Aqui na Delegacia, nunca tivemos problemas de resistência à prisão; acho que o fato do homem ser preso por uma mulher, é uma situação vexatória.

lzza – E sua vida pessoal, como fica?

Eliane – Sou solteira, mas pretendo casar, ter filhos, um lar. Sei que aí a vida fica mais pesada mas, desde que vo-cê se organize e saiba administrar, acredito que não haverá maiores problemas. Por enquanto, me dedico ao trabalho. Trabalho no horário normal de expediente e nos sábados e domingos fico à disposição da Delegacia. A carreira policial pede dedicação exclusiva.

lzza – Quantas pessoas trabalham aqui com você?

Eliane – Temos oito profissionais no setor psicossocial, três Assistentes Sociais, cinco Psicólogas, eu, uma Superintendente, quatro escrivãs e 12 detetives, que realizam diligências procurando o agressor ou a vítima que às vezes se esconde, entregam intimações, realizam prisões.

lzza – Quantas delegacias da mulher existem atualmente?

Eliane – Aqui no Paraná foi a primeira, depois foram criadas outras em Cascavel, Londrina, Ponta Grossa e Maringá.

lzza – Como você percebeu esta vocação para a carreira policial?

Eliane – Eu, primeiramente pensei em me formar em Direito e ir para o Poder Judiciário. Mas, como passei para Delegada, acabei assumindo, gostei e adoro o que faço aqui. Me realizo neste serviço, porque ele exige muito contato humano com as pessoas, não é pesado e me gratifica. Como a grande incidência é da classe mais baixa, as mulheres precisam de orientação porque não tiveram oportunidades de se instruir, seu companheiro também não, então você passa valores, instrui, orienta.

lzza – E a classe mais alta, procura a delegacia?

Eliane – A classe alta procura antes resolver os problemas, para que não se tornem públicos. As pessoas vêm aqui e pedem sigilo. Mas o nosso propósito não é realmente divulgar nada. Procuramos preservar, a não ser um caso gravíssimo. Também na classe alta o maior problema é o alcoolismo, mas elas só nos procuram em último caso, quando não há mais alternativa. Elas estão mais conscientes de que um inquérito policial prejudica a vida das pessoas.

lzza – A Delegacia da Mulher é encarada com seriedade pelos outros órgãos?

Eliane – Tenho apoio direto do Conselho Estadual da Condição Feminina, presidida pela Deputada Erondi Pugliesi e do Conselho Municipal da Condição Feminina, sob a presidência da Dra. lzabel Kugler Mendes. Em termos de polícia, eles não valorizam o trabalho tanto quanto deveria ser valorizado. A base da sociedade é a família e quando ela é forte não traz tantos problemas. Esta Delegacia é importante, no sentido de educar os casais, mas sinto que ainda há essa discriminação em achar que briga entre marido e mulher é bobagem.

lzza – O que você está pretendendo futuramente?

Eliane – Continuar na função de Delegada. Já tenho 17 anos de serviço no Estado e pretendo me aposentar no ramo. A carreira de Delegada tem 4 classes. Começamos na 4ª e terminamos na 1ª. Eu já estou na 3ª, prestes a ir para a 2ª. Depois em dois anos somos promovidos desde que haja uma vaga disponível na classe. Em outubro, completo dois anos na 3ª classe e já posso ir para a 2ª. Quando a Delegada atinge a 1ª, geralmente fica como chefe de Divisão e permanece nela até a aposentadoria.

lzza – Para finalizarmos, o que você gostaria de acrescentar?

Eliane – Eu teria muito o que falar sobre a Delegacia. Atualmente, estamos com problema de espaço físico e me parece que vamos nos mudar para o prédio da Rua Marechal Deodoro. Também temos problemas de viatura quebrada, só dispomos de uma viatura funcionando precariamente. Já foi solicitado e acho que as providências estão sendo tomadas (a falta de verba também atinge os outros distritos). O ideal seria que tivéssemos uma sede própria, uma casa central, mais funcionários e um plantão noturno, com alojamento para detetives. Uma sede própria seria sensacional, de preferência central, porque a maioria da clientela vem da periferia. A localização facilita a vinda até aqui. O que eu espero é que as mulheres continuem denunciando e procurando a nossa Delegacia para serem orientadas.

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