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“O amor pele Assoma” expressa Maristela Requião

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Curitiba, 28 de Maio de 1990

 

MARISTELA REQUIÃO; conhecida por seu dinamismo, ela divide o seu tempo em várias atividades. Hoje, nesta conversa, Maristela nos conta como é ser esposa de político, mãe, dona de casa, empresária e vice-presidente da Assoma. Esta é Maristela, Sra. Roberto Requião.

 

Izza – Como vão as suas atividades?

Maristela – Estou como mãe, cuidando dos meus filhos. Como empresária, gerenciando a “Nacional” e na atividade política sempre trabalhei, mais ou menos paralelamente às atividades do Roberto, mas sem nenhuma vontade de concorrer.

lzza – O que representa a política para você?

Maristela – Para te dar uma ideia, logo que o MDB foi fundado, eu fui uma das primeiras pessoas a se inscrever no partido, um pouco por estar casada com o Roberto e também por achar que a política faz parte do dia-a-dia das pessoas mais esclarecidas e interessadas. Durante as campanhas era uma loucura. Na última do Roberto aqui em Curitiba, ele discursava em um palanque e eu no outro. Inclusive, falei para muitos operários da construção civil. Parava a obra e discursava sobre o partido, a importância da politização, sobre a força que a pessoa tem nas mãos com o direito de votar, eleger um representante, seu pensamento e sua vontade.

lzza – O brasileiro sabe votar?

Maristela – Acho que o brasileiro até vota bem. Você pode observar, que dentro do que se apresenta, quanto mais as eleições acontecem vai existindo uma escolha melhor.

Izza – Ser esposa de político implica em muita responsabilidade?

Maristela – Depende. Se você viver em plano secundário, dependendo das opiniões dele, é uma coisa; mas se você tiver as suas próprias opiniões e o Roberto as dele. Este ponto às vezes é complicado porque eu posso dizer o que penso e as pessoas podem achar que o Roberto também pensa assim, da mesma forma. Isto é uma decorrência por eu ser mulher e você sabe que ser mulher é difícil porque vivemos numa total dependência. Acho que conseguimos muito ultimamente, inclusive uma posição mais definida com a Constituinte, já nos libertamos em parte, mas real-mente temos que reconhecer que a mulher aqui no Brasil ainda é uma sombra do marido.

lzza – Como você vê a liberação da mulher?

Maristela- Algumas pessoas acham que a liberação da mulher acontece somente através do trabalho. Eu não vejo desta forma, pois para mim a liberação da mulher não se faz só pela independência econômica. Vamos demorar um pouco para assumir totalmente a independência de pensamento, da liberdade, porque a sociedade reprimiu e limitou muito a mulher. Creio que a liberação é eleger, dentro de um contexto, o que é melhor para você.e como você se sente melhor como mulher, seja trabalhando fora, como dona-de-casa, mãe de família, etc. Desde que você tenha consciência de que suas decisões e sua capacidade são suficientes para que você seja liberada, isto é o que importa. Feminista não é a mulher que exibe uma faixa dizendo: “Sou a favor da mulher, do movimento feminino, ponha o homem na cozinha, trocando fraldas”. Isto é uma inversão de posições que nada tem a ver. A igualdade é termos as mesmas oportunidades do que o homem, a mesma remuneração de acordo com a nossa capacidade.

Izza – Você acha que é importante a mulher do político atuar a seu lado?

Maristela – Se ela tiver vontade e estrutura, sim. Ela não deve ser obrigada. É muito pesado. Eu atuo muitas vezes como um pára-choque, um muro que segura inúmeras coisas, não só dentro de casa como na vida pública porque a maioria das pessoas acha que mulher de político é de fácil acesso. Você perde inclusive um pouco a tua privacidade, em tua vida particular. Outro ponto que sinto, é que as amizades ficam quase que em segundo plano porque de repente, você entra num ritmo de compromissos, encontros e aparições em público que nada tem a ver com as tuas amizades e tua vida interior. Você se torna realmente parte da vida pública.

lzza – Isso agride muito sua privacidade?

Maristela – Depende da maneira como você encara. Na política, estou junto, ao lado do Roberto e realmente gosto; entrei de corpo e alma na campanha. Inclusive agora, continuo trabalhando num plano de governo que foi do Roberto – a implantação da Assoma.

lzza – O que é Assoma? E qual seria o seu programa?

Maristela – Assistência ao Menino de Rua. A Assoma existe há três anos e tem um programa básico que seria a Escola Alternativa de Reeducação, o programa de pré profissionalização. As diretrizes que aplicamos nas crianças é a educação pelo trabalho. O programa deu certo, tanto que a UNICEF e as entidades que cuidam da recuperação dos meninos de rua do Brasil e na América Latina adotaram a Assoma como modelo. A minha pretensão é que ela seja disseminada, não somente no Estado do Paraná, mas também no Brasil. Já apresentei no Congresso Latino-Americano e foi a única coisa nova apresentada no setor.

Izza – A Assoma é vinculada a algum órgão!

Maristela – Como ela surgiu durante a gestão do Roberto, existe aí o lado político da questão. Veja bem, temos convênio com a Prefeitura e com o Estado, mas ela é vinculada somente à comunidade. Eu, na época, fiz questão absoluta da não existência de vínculos, porque com as mudanças de governo e de partidos, você sempre acaba perdendo o trabalho. Cada um entra com novas idéias e eu queria dar continuidade ao projeto. Se você pegar o livro da inauguração da ASSOMA, poderá ver que nele constam políticos de vários partidos, pessoas que atuam nos mais diversos setores da indústria e comércio, que são os sócios-fundadores. Claro que as coisas se tornaram mais fáceis por eu ser na época, esposa do prefeito. Tive acesso a vários locais e camadas sociais que anteriormente, como simples cidadã, não teria. Implantei o projeto dentro da comunidade, ele foi encaminhado ao BNDS e foi o único projeto aceito pelo Banco e liberado em seis meses, tempo “record” no Brasil. Também foi o único que consegui a fundo perdido para Curitiba. Eu montei a ASSOMA, todas as oficinas e tudo foi ganho. Me orgulho disto porque foi uma grande conquista para a nossa cidade.

lzza – Como funciona o recrutamento dos meninos de rua?

Maristela – Existe o educador de rua que faz contatos, vínculo afetivo com as crianças na rua, praças e mocós. Na primeira etapa ele é convidado a comparecer na casa do Centro onde oferecemos um lanche e tentamos fortalecer este vínculo. A ASSOMA hoje, é considerada uma coisa boa para estes meninos; eles sabem o que é bom e o que não é e tem maneira própria de divulgar as coisas. Hoje eles vão até nós. Abrimos às 7:00 horas da manhã, a criança entra e só sai às 18:00 .horas.

Izza – O número de meninos de rua em Curitiba é elevado?

Maristela – Na época do Roberto, fizemos um levantamento, porque não trabalhamos somente em cima do menino de rua. Divulgamos e imprimimos um livro sobre pesquisas nas escolas, o porque da não aceitação de crianças de periferia nas escolas e vice-versa. Dentro disto, fizemos também uma pesquisa da procedência das crianças vindas para o Centro e chegamos à conclusão que o número de meninos de rua em Curitiba não era tão elevado. Com o projeto social do Roberto na Prefeitura, da criança que fazia aquele período alternado na escola e a recreação nas praças e com a implantação das creches (uma em cada 5~-feira) e com a implantação das escolas integrais, nós conseguimos diminuir o fluxo de crianças no centro da cidade. Reter as crianças em seu próprio bairro através da assistência no local. O que existia no centro, na ocasião, era um número bastante pequeno em relação a outras cidades e nós, na ASSOMA, quase que englobamos o total. Claro que a briga com as quadrilhas é e sempre foi muito grande porque agora são 260 meninos frequentadores assíduos e mais ou menos 300 flutuantes.

lzza – O menino de rua é aquela criança que tem família e vive largado ou é aquele que não tem ninguém no mundo?

Maristela – O menino que nós trabalhamos – que é o menino do centro – é o que não tem ninguém ou o que já se desvinculou totalmente da família. O problema é o seguinte: falamos em “família”: pai e mãe, mas às vezes a mãe é prostituta e está vivendo com um bêbado. E o que acontece com esta criança? Ela começa a receber total carga de repressão, espancamentos, etc. e na hora em que falta a comida (e até mesmo a pinga dentro de casa), ela é obrigada a ir para rua buscar dinheiro ou simplesmente é abandonada no centro da cidade.

lzza – Como procedem as quadrilhas?

Maristela – Eles aliciam, drogam, surram e prostituem as crianças. Fazem tráfico entre São Paulo, Rio e outras cidades. Muitas vezes, eu e a Maria, que trabalha comigo, vamos aos hospitais buscar crianças espancadas, queimadas, etc. O menor não acompanha uma quadrilha espontaneamente. E uma tristeza! A gente não consegue entender como o ser humano é capaz de cometer tantas maldades na vida. Existem crianças de 8 ou 9 anos que já passaram o inferno e por isso viram marginais, assassinos e vão parar na prisão.

lzza – Quando a criança está recuperada, para onde é encaminhada?

Maristela – Conforme a recuperação, elas saem, voltam para a família, quando têm, ou são encaminhadas para a família-social. Aí ela não é mais considerada menino de rua. Segue a sua vida normalmente, com a nossa assistência.

Izza – Existem casos considerados perdidos?

Maristela – Infelizmente sim. Quando a criança atinge 16 ou 17 anos, o nível de revolta e brutalidade que ela apresenta é tão grande, que seria necessário uma estrutura muito maior do que a ASSOMA, uma tensão maior a nível de terapia, psicologia, etc. Geralmente nesta idade, eles já passaram pela polícia.

lzza: Como você explica esse amor pela ASSOMA?

Maristela – Amor de verdade porque a ASSOMA, para mim, não são meninos de rua, é o Betinho, a Mariana, o Osvaldo e já sei o que cada um passou.

Izza- Neste período de luta o que mais te emocionou?

Maristela – A resposta é o convite que te faço para ir até lá, numa festa de formatura, no fim do ano ou mesmo durante a semana. Pergunte para qualquer criança como era a sua vida, o que está sendo e o que ela pretende do futuro, porque graças a Deus as nossas crianças já tem um futuro. Apareça. Estamos sempre com os portões e o coração abertos.

 

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