Curitiba, 13 de Marco de 1988
JUSSARA – Experiente jornalista e publicitária, resolveu trabalhar no Canadá, divulgar o nosso Brasil lá fora. Batalhou, venceu e hoje é conhecida e admirada principalmente em Montreal onde reside. Atua ainda, no Rádio e Televisão com sucesso. Jussara esteve em Curitiba, visitando familiares e amigos e de nosso breve encontro surgiu esta gostosa conversa. Confiram.
IZZA – Jussara, você é curitibana?
JUSSARA — Sou nascida em Ponta Grossa, criada entre São Paulo e Curitiba. Aqui iniciei minhas atividades profissionais, com uma coluna social da revista “Vup” (Vamos Unir o Paraná). Depois trabalhei com “Feminina”, encarte feminino da Gazeta do Povo, isso em 1979. Na continuação, mudei um pouco de ramo, temporariamente, coordenei congressos, eventos e trabalhei na Associação Brasileira de Recursos Humanos, em Brasília, e foi lá que comecei a fazer um programa de rádio na Rádio Nacional. Tive amigos, muita gente que me ajudou, Katucha do Correio Braziliense, já falecida e Consuelo Badra, me abriram portas.
Depois voltei a Curitiba, de uma hora para outra, querendo ampliar os horizontes, porque acho que, dentro de uma profissão é muito importante conhecer e desenvolver tudo o que se aspira e, ir mais além, porque os horizontes são delimitados por nôs mesmos. Eu aspirei um pouco mais, que era sair do Brasil. Ir para a frente não era um sonho, era a certeza de vencer. No momento que se torna uma decisão de sair, enfrentar, vencer, naquilo que gostamos e nos dedicamos, sabe, provar a nós mesmos a nossa capacidade. Essa foi a minha partida, ou o meu ponto de partida, e, aqui em Curitiba eu também fiz produção e apresentação de televisão. Trabalhei com a Bandeirantes e fiz o seriado da loira fantasma. Naquela época, em 1976, a loira apavorava a cidade. Foi gratificante no começo, mas de- pois me causou alguns problemas. Pensavam realmente que eu era a própria.
IZZA – Você acha que a mulher sofre discriminação profissionalmente?
JUSSARA – Não, nem aqui, nem em São Paulo, onde trabalhei em várias agências de publicidade, muito peto contrário. Acho que tudo é uma questão de ter a estrela da boa sorte, porque existem mulheres supercompetentes que não têm aquele momento certo, mas eu, graças a Deus, não sei se é por minha expansividade, mas não sofri discriminação de nada e de ninguém. Tenho milhares de amigos no Brasil inteiro, inclusive aqui nem venço o tempo para conversar e rever todos, porque, para os amigos, me doo 100%. Agradeço e reconheço as pessoas que foram legais comigo no início, e até hoje as considero especialmente. Não poderia citar nomes, porque correria o risco de ser injusta, esquecendo de mencionar alguém que tenha sido importante. Se bem que eu ainda acredite que aqui no Brasil, a mulher sofra certa discriminação profissional em todos os sentidos, em jornalismo principalmente. Essa discriminação, por mais escondida que seja, existe.
Coisa que lá, no meu mundo, não acontece, porque é lei no Canadá francês. Vivo no Quebec, trabalho com grupo de mulheres imigrantes, e o interessante é que a mulher está em primeiro lugar. Em segundo, as crianças; em terceiro, idosos e deficientes mentais; e em quarto, o homem. Tanto que, em qualquer centro comunitário, de pessoas menos favorecidas, as mulheres têm sempre primazia. Realmente a situação do homem, na América do Norte, no Canadá é assim. Até presenciei um caso, no centro em que trabalho, Centro de Ajuda à Mulher Latino-Americana. O homem bateu na mulher e ainda foi reclamar, levou a pior. O homem que encosta a mão em uma mulher não tem razão e está preso.
Há uma coisa que quer salientar: aqui no Brasil existe uma reclamação geral, da parte das mulheres: “Os homens estão muito vazios”, saem sempre com segundas e terceiras intenções. Sei que desde que o mundo é mundo, existem convites e intenções, mas fato da maneira, da forma, e aqui a coisa é muito gratuita, chega até a ser ofensiva, porque, atrás de um simples convite para jantar, existem outros propósitos, quando a mulher às vezes não está com fome. Na América do Norte e, de uma maneira geral, eu noto que os homens respeitam mais a mulher, a nível de respeito ao ser humano, e dentro desse relacionamento ela pode ter muitos amigos, sem haver necessariamente um propósito sexual. Na Europa, as pessoas têm uma mentalidade diferente, é claro.
Lá são pequenas maquininhas e trabalham sempre, valorizam o trabalho e o dinheiro que ganham. É uma educação que provém de muitos anos, porque o europeu passou por dificuldades, guerras mundiais, necessidade imperiosa de economizar, saber gastar, distribuir. Eles dão valor ao que têm, não desperdiçam nada. Isso já vem de uma consciência dos avós e bisavós pelas grandes guerras, pelo sofrimento de não ter, economizar, guardar mantimentos, coisas que nós, aqui abaixo do Equador, não passamos.A América do Sul, o Brasil principalmente, não teve esses problemas. Os descendentes de hoje já trazem no sangue, foram gerações e gerações, e dentro de tudo isso, eles valorizam à pessoa e consequentemente a mulher. Em Montreal, onde vivo, nos jornais não existe a mínima discriminação quanto a emprego. Por exemplo, se há uma solicitação de engenheiros, já vem especificado, engenheiro ou engenheira. A mulher representa o mesmo papel, e está em nível de igualdade com o homem, coisa que aqui no Brasil, se houver apresentação de 10 homens e uma mulher, não acredito que ela conquiste
a vaga.
IZZA – Como você chegou a Montreal?
JUSSARA – Foi uma oportunidade. Nessa época, eu trabalhava com uma agência de publicidade em São Paulo, onde faziam vários boletins, e tinham patrocinadores muito fortes. Eu queria muito sair, mas não para os Estados Unidos. Sempre admirei o Canadá. Sabe o que me impressionou muito? A primeira vez que Pierre Trudeau veto ao Brasil, vestido de blazer e tênis. Hoje o conheço pessoalmente, é uma das pessoas que mais me fascina, por sua inteligência fora do normal, embora extremamente agressivo. Em Montreal, ele teve uma diferença política com o atual partido. Ele não concordou com um contrato de fronteiras abertas. Inclusive declarou que o Canadá estava trocando um cavalo (canadense), por um coelho (americano). Colocou sua opinião publicamente numa entrevista, mas recusou-se a princípio a falar para os canais franceses, mas, quando foi obrigado, por pertencer ao governo a rádio Canadá, Trudeau usou de tanta agressividade, que a entrevistadora chegou a chorar. Ele defende suas opiniões a ferro e fogo, e eu o admiro.
Bem, quanto à minha ida para lá, aproveitei a oportunidade, e iniciei fazendo boletins da Fórmula 1. Montreal é uma cidade muito dinâmica: temos seis meses de inverno, depois o outono e em junho e julho, e agosto, o verão, época em que a cidade procura proporcionar às pessoas, o máximo de lazer. Fórmula 1, Festival de Jazz, de cinema, de teatro da América Latina ou “apenas para sorrir”, com humoristas do mundo inteiro. Lembro-me de que, naquela época da Fórmula 1, lá estava o piloto curitibano Raul Boesel, Roberto Moreno e Nelson Piquet Foi interessantíssimo. Trabalha-se mais atrás dos bastidores, nos boxes. Os pilotos geralmente chegam na quarta-feira que antecede a corrida, desfilam com seus carros, e ficam hospedados todos no mesmo hotel. Existe a guerra dos andares, dos patrocinadores, dos pilotos. Inclusive, acho uma injustiça muito grande quando julgam um piloto “antipático”, porque ninguém imagina o que ele pode estar passando, as pressões dentro do circo que é a Fórmula 1. Qualquer ação é motivo para critica, tocam no seu emocional. São milhões de jornalistas de todas as partes do mundo, em cima deles a todo o momento, fazendo todos os tipos de perguntas. Abala o metabolismo. As pessoas, esquecem que eles estão ali, somente com uma finalidade, e são seres humanos. São pessoas superdotadas para conduzir uma máquina superpotente e, dentro daquilo que eles se propõem a fazer, não podem existir erros.
IZZA – Jussara, você que trabalha com rádio e televisão, como sente a diferença?
JUSSARA – Na rádio, além de poder fazer o que quiser, rir, conversar, acho que atinge muito mais, porque, em qualquer lugar do mundo, qualquer pessoa possui um rádio nem que seja pequeno. O nível de audiência é maior. A pessoa pode trabalhar ouvindo rádio, ao passo que não poderia trabalhar e ver TV ao mesmo tempo, embora eu não negue o seu valor. O rádio é um veículo quente e a televisão, um veículo frio, onde não se pode gesticular demasiadamente. Temos que ser comedidos diante de uma câmera, porque estamos sendo vistos por muita gente.
IZZA – E atualmente, quais são suas atividades?
JUSSARA – Trabalho com o “Coletivo de Mulheres Imigrantes”, sou tradutora e oriento as mulheres latino-americanas quando chegam ao Canadá. Você sabe, a América Central, latina, tem países onde reinam guerras, discórdias, problemas políticos etc, e essas pessoas que saem do Chile, Bolívia, Guatemala, Colômbia, saem ou são convidadas a saírem, vão para o Canadá, que é um país que aceita refugiados políticos, novos imigrantes, mas a maioria dessas pessoas, são simples, não falam o idioma, e não sabem como proceder. Eu pertenço a uma equipe que orienta principalmente a mulher, porque o homem geralmente chega e começa a trabalhar e, é ela que fica com todos os problemas. Então orientamos onde aprender o idioma, os centros que ensinam gratuitamente, onde deixar os filhos.
O idioma oficial é o francês, e o governo oferece programas de ensino da língua. Na América do Norte, não existem empregadas, e as diaristas ganham 50 dólares para trabalhar das 9 às 3 da tarde, superficialmente. Orientamos também sobre o centro de imigração, onde providenciar os documentos, a integração da pessoa à sociedade canadense, como encontrar assistência médica, etc. “Coletiva de Mulheres Imigrantes de Montreal” é um trabalho gratificante porque se trabalha com o ser humano que necessita de apoio e ajuda. Ninguém fica sem assistência. Observamos a carência básica familiar, o que precisam, quantos filhos têm, onde vão estudar, com a seguinte preocupação: não gostamos que essas crianças latino-americanas fiquem com outras, para evitarmos a formação de guetos. Elas frequentam escola francesa, conhecem o sistema canadense e não ficam limitadas ao latino-americano. Uma coisa eu sempre digo a todo o imigrante: “Nunca se deve estar com os pés num país e a cabeça em outro”.
Tem que trazer também o coração, mesmo que isso seja doloroso. Viver intensamente o país escolhido. A preocupação do governo canadense é conscientizar os imigrantes que vivem agora em um país diferente, e terão que adotar sua política, cultura, tudo. Isso é o trabalho que eu faço. Dentro desse programa, temos redes de televisão e rádio multi étnicas. São órgãos do governo que dão espaço para cada etnia se manifestar, expressar, mostrar sua cultura. Dentro desse programa, temos o de TV e de rádio “Femmes cfici et d’ailleurs”, “Mulheres daqui e de todos os lados”. Entrevistamos mulheres de fora, procuramos esclarecer o que é o Canadá. Os temas são frios. Na rádio entrevistamos também, porém com temas considerados tabus aqui no Brasil. Violência, incesto, aborto, etc. Além disso, tenho o meu programa que adoro, infanto-juvenil, falado em português, “Borboleta Azul’ ao vivo, dedicado à criança e ao adolescente. Os adultos também me prestigiam, não só os portugueses, mas latino-americanos, franceses, italianos.
Eles adoram a música brasileira. Tenho linha direta, faço jogos, charadas, dou prêmios. Certo dia prometi um prêmio para o primeiro que chegasse com uma garrafa de cachaça brasileira, me surpreendi com a quantidade de pessoas que trouxeram, mil marcas, e não eram só portugueses. Isso muito me gratifica. Escolhi esse nome “Borboleta Azul” porque azul é a minha cor preferida, e a borboleta, para mim o símbolo da liberdade. Nessa nova fase, além desse programa, vou iniciar outro, bem brasileiro “Com açúcar e com afeto”, onde abordarei temas brasileiros, uma coisa leve e solta como eles gostam, porque Montreal é uma cidade muito fria. Temos até 43 graus abaixo de zero. Quando o sol aparece, é ainda mais frio porque a neve derrete. Janeiro e fevereiro, sem sol cinzento, inclusive o mês de fevereiro, estatisticamente é o mês de mais suicídios. As pessoas precisam de muito calor e atenção, e eu faço o programa quente, para que elas sintam mais força.
IZZA – Você se acostumou bem em Montreal não é? Como fica a saudade?
JUSSARA — Tenho muitas saudades daqui e principalmente dos grandes amigos que aqui deixei. No momento, achei o Brasil tenso, incerto, as pessoas não sabem o que vai acontecer amanhã, a nível político, inflação galopante. Além da tensão pelo sistema político que vigora no País, elas estão até certo ponto agressivas com medo de serem assaltadas, roubadas, tanto a nível de assalto, que é uma realidade, como nas compras. Um dia, um preço; no outro dia, outro preço. É uma incógnita; não se sabe o que vai acontecer dentro de uma semana ou nos próximos meses. Lamentavelmente encontrei coisas assim, mas isso não impede que as pessoas que vivem aqui continuem tendo aquele brilho peculiar, aquela coisa maravilhosa, luminosa que é o sol dentro de si. Embora toda essa inquietude, o brasileiro é admirável, não perde a alegria de ser e de viver.
IZZA — O que você diria para as pessoas que desejam sair do Brasil?
JUSSARA – Se elas estiverem calçadas de uma forma bem concreta para sair do Brasil, com bolsa de estudo, com papéis de imigrante para ir para Austrália, Canadá, Estados Unidos ou Inglaterra, ou outro lugar, podem ir, caso contrário não aconselho ninguém a aventurar-se em um país diferente, primeiro pela dificuldade do idioma, segundo porque vão encontrar um obstáculo muito grande que a discriminação que as pessoas de um país fazem contra alguém que não tenha documentação desse país. O que elas vão conseguir lá fora é um subemprego. Antes de ir, dizem que vão ser ajudantes em restaurantes, cuidar de crianças, isso tudo é uma grande ilusão.
Vão lá fora, são exploradas pelas pessoas que habitam nesse país e vão ganhar muito pouco, porque a pessoa calcula: vou ganhar tantos dólares por hora, comparando ao cruzado é maravilhoso, só que tantos dólares por hora, não serão o bastante para se manter nesse país. Então eu acho que para uma pessoa cortar o cordão umbilical que liga essa pessoa ao seu próprio país, tem que pensar muito bem, porque eu acho que o Brasil, apesar de tudo, ainda dá condições para todo o brasileiro se fazer. O brasileiro não deve se deixar influenciar pela publicidade negativa de um regime político mal organizado ou mal orientado. Eu penso que toda a pessoa tem que pensar positivamente no sentido de se fazer, de ter o seu próprio recurso, de fazer alguma coisa por si mesma dentro de seu próprio país porque aqui ela está no seu chão e em outro país vai enfrentar barreira de idioma, documentação, etc.
IZZA – Sei que você partirá nesse final de semana para a Rússia a passeio, antes de regressar a Montreal. Qual seria sua mensagem final?
JUSSARA – A mensagem que eu gostaria de deixar é que, principalmente, agradeço a oportunidade de falar para a tua coluna. Acho que Curitiba é uma cidade maravilhosa. Deixo meu carinho imenso às pessoas que me estimam, admiram, e consequentemente serão minhas amigas, porque os amigos de meus amigos são meus também.