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“NASCI FAZENDO POLÍTICA” expressa Maria de Lourdes Montenegro

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Curitiba, 13 de maio de 1989

MARIA DE LOURDES MONTE NEGRO. Feminina convicta, há muitos anos vem trabalhando e defendendo os direitos das mulheres. Constantemente convidada para discursar, ou fazer palestras, Maria de Lourdes fala com segurança e desenvoltura de suas opiniões. Nesta entrevista temos a oportunidade de conhecê-la ainda melhor. Confiram.

 

IZZA – Sendo você uma mulher super atuante, conte-nos o que você já fez.

MARIA DE LOURDES – Já fui professora da Universidade, de sociologia, agora estou aposentada, já tenho 30 anos de serviço. Fui também professora de segundo grau, orientadora educacional, inclusive do Colégio Militar e Escola Normal. Fui Presidente da Frei, Fundação de Recuperação do Indigente, da qual até mudei o nome para Fundação Rural de Orientação e Integração. Ai tive uma das melhores experiências.

IZZA – E a sua candidatura como deputada Federal?

MARIA DE LOURDES – Esta foi para mim uma das experiências mais dolorosas de minha vida. Não porque eu não me elegi, porque quando você entra pode ganhar ou perder, mas por conhecer por dentro o sistema político, o que é uma candidatura. Não é bonito, por saber pela prática, porque foi a ação que me deu esta resposta, que as mulheres dificilmente votam nas mulheres. Elas estão muito despreparadas para escolhas. Eu passava em bairros de classe média, batia na porta, e a resposta era: “o meu marido só chega depois das seis e aqui, voto é com ele, que sabe”. Essa mulher confessa que não tem opinião própria, mas outras não confessam.

A favelada sabe em quem votar, não vota em quem o marido manda, escolhe quem ela quer. Na época fiquei muito desanimada porque é horrível pensar na política partidária. Em política as mulheres são muito ingênuas, eu imaginava: tenho quase 30 anos de atuação, já realizei tantas coisas, sou uma pessoa séria, correta, quero fazer política para ajudar os outros, não a mim, então pensei que seria mais fácil. Mas não é assim.

A gente tem que fazer um esquema, montar, organizar. O partido tem que querer que você seja candidato. Na época o partido não tinha interesse que eu fosse candidata porque o PMDB já estava mudando de técnica. Ele não tinha mais dentro de suas fileiras pessoas que pensassem assim, como eu. Eu não tive dinheiro para a campanha. Mesmo assim tive quatorze mil votos e sei quem foram as pessoas que trabalharam para mim.

IZZA – Com isso você desistiu da Política?

MARIA DE LOURDES – A gente não desiste, é como se fôssemos vacinadas e eu sou de família de políticos. Me lembro que, quando terminassem as eleições, fui para uma Clínica de Repouso na Lapa para descansar e me surpreendi na salda, porque todas as pessoas me conheciam. Fiz palestras, para os mais velhos etc. Eu nasci fazendo política.

IZZA – E depois desta experiência?

MARIA DE LOURDES – Depois desta campanha, o Requião me convidou para ser secretária do Menor e ai fiquei um ano. Foi uma experiência dolorosa porque a solução não está aqui. Por exemplo, quando o café foi desativado no Norte do Paraná, quando se erradicou o café, as famílias também foram erradicadas, então foi tirado da terra um homem que só sabia plantar e colher, café, nada mais, e alguém disse para ele, vá para Curitiba, lá existem recursos, o Hospital das Clínicas, escola de graça e ele veio, portanto estas crianças que estão na rua, são o produto desta erradicação do café que foi indiscriminada, porque não temos uma política agrícola.

As decisões vêm de cima, e os que estão em baixo ficam às vezes massacrados, não tem como dar certo, mas eu fiz o que podia dentro dos limites de uma secretaria, mas foi doloroso. Em junho foi criado o Partido da Social Democracia Brasileira, o PSDB. O Richa me convidou, e aí pus o cargo à disposição. Quanto ao Requião, de minha parte ele só merece elogios: um homem sério, político sério. Tive prazer em trabalhar com ele e guardo boas lembranças.

IZZA – E você como mulher, dentro do PSDB?

MARIA DE LOURDES – Acho que dentro deste partido, para nós mulheres, eu abri caminho, porque em outros partidos elas somente são chamadas na hora da eleição e não na hora da formação do partido. Aqui pelo menos eu fui chamada na hora da formação, tanto é que eu participei da 1? Executiva do PSDB do Paraná, e nesta Executiva eu fui presidente. Acho importante para nós, mulheres, porque sou uma batalhadora, uma feminista convicta. Agora já houve outra eleição, não sou mais presidente, mas continuo dentro da Executiva. A influência de uma mulher na política vai continuar ocorrendo. Eu não
vou fugir.

IZZA – Sobre as mulheres na atualidade, o que você acha?

MARIA DE LOURDES – Acho que elas evoluíram, cresceram enormemente. A mulher de hoje é uma outra mulher. É claro que alguma continuam com valores às vezes bem deturpados, por um problema de educação. Como falei, antes, valorizam mais as coisas do que as pessoas. Elas às vezes são bem mais ligadas a um vaso de cristal de sua casa do que a um filho e mesmo assim se considera boa mãe. Se o vaso quebrar, ela quebra o filho de tapas. Veja, quando uma criança chega numa hora considerada imprópria para falar, leva um “Agora não” e a hora passa.

Mas o que acho o lado mais sério da coisa é que elas ainda não descobriram o seu verdadeiro valor, continuam achando que só existem a partir do companheiro. Eu acho isso um absurdo. Nós existimos independente, mas junto com um companheiro nos tornamos mais fortes. A união dos dois é imbatível, mas não vejo fragilidade nenhuma nem no homem nem na mulher. O fato de eu ser separada não significa que eu seja contra as uniões. O casamento é válido como é posto hoje. Os casais novos compartem mais, dividem, participam. O que mantém o homem afastado de seus deveres dentro de casa é a própria mulher, infelizmente.

Se ela não tem empregada assume todas as responsabilidades dos deveres domésticos, quando deveria compartilhar, e ainda justifica dizendo que ele trabalha fora. E ela não trabalha? As mulheres precisam entender que a casa é o lugar onde duas ou mais pessoas são felizes. Não é uma exposição de móveis nem de quadros nem uma demonstração de competência. À medida que estamos educando os filhos, mudamos a cabecinha deles, ao mesmo tempo em que eles às vezes mudam a nossa, porque eles são rápidos, enxergam longe. A inteligência feminina deve ser ativada. Se usarmos a nossa capacidade e perspicácia, que nos é atribuída pelo papel de mãe, tudo fica mais fácil. Isto não é destino, é uma questão de opção, decisão pessoal e esse papel nos dá uma visão global muito maior.

O papel que nos foi atribuído é de guardiã, de cuidar dos filhos, do marido, e para conseguirmos isso temos que saber onde estão, e esta noção de espaço ela tem para poder salvaguardar as coisas. Temos dificuldades de trabalhar em negócios porque fomos varridas deste campo, não é que sejamos burras, mas o fato é que nunca nos deixaram. As que fizeram um grande esforço para vencerem a timidez, conseguiram. Se as mulheres foram criadas brincando de bonecas e os homens chutando bola, como vamos mudar? Em outros Países, as coisas são diferentes, mas se conversa ainda este aprisionamento feminino. Na própria Rússia, as mulheres têm dois anos depois do nascimento de um filho, enquanto que nós temos 120 dias.

IZZA – Maria de Lourdes, qual é a sua opinião sobre o voto aos dezesseis anos?

MARIA DE LOURDES – Inclusive hoje, eu estou vindo de uma reunião das profissionais, médicas psiquiatras, pedagogas etc. no Hotel Colonial. Estavam presentes somente mulheres e eu coordenei a mesa. Este tema foi muito debatido, achei até interessante a resposta do Deputado Federal que defendeu esta tese. Perguntaram se ele defendendo esta tese, achava certo que uma pessoa votando nesta idade também estivesse apta a dirigir. Ele respondeu: “Num País que possui 80% de analfabetos, não poderíamos deixar de pôr em pratica uma lei, temendo outra. Quantos vão dirigir? ”

Realmente quem tem poder econômico para dirigir automóvel, já dirige, independente de ter carteira ou não. Eu pessoalmente acho a lei muito boa, lógica, porque não vejo diferença nenhuma entre um menino de dezesseis anos ou um de dezoito. Então, se você pode votar aos 18, pode também aos 15. O problema todo é a família, a sociedade. É a forma como é discutido isso em casa sobre política e a responsabilidade de votar, a cobrança que se deve fazer das pessoas que nós elegemos. Se os pais não estiverem preparados, como é que os filhos vão estar? Nem com quarenta anos. Por isso eu acho válido, votar cedo, e dirigir automóvel. É uma questão de educação familiar, é outra situação. O importante é a cidadania, quanto mais cedo as pessoas assumirem suas responsabilidades de cidadão, melhor, e elas só assumem ao votar, mudar a situação política do País.

IZZA – Como se explica esta imaturidade entre os nossos jovens, uma vez que em outros Países nesta idade até eles já moram sozinhos?

MARIA DE LOURDES – Falta de orientação dos pais. Aqui nos preocupamos mais com a coisas do que com as pessoas. Estamos sempre preocupados se a casa está em ordem, mas será que estamos preocupados se a cabeça de nossos filhos está bem ? Uma menina pode ser a mais relaxada possível, mas ter uma cabeça boa. Analise bem: quem é que quer ter os filhos debaixo das asas? As mulheres e os homens para quem o trabalho não é um prazer, e sim uma obrigação. Uma mulher que trabalha, que sabe que além de ter obrigação de trabalhar, o faz com prazer, nunca é tão agarrada assim, para que os filhos não cresçam.

Quem age desta forma são aquelas que vivem dentro de casa, que acham que têm que prestar conta para a sociedade, tudo certinho, que os filhos cheguem em casa na hora certa, que não dirijam a toda hora etc. Quem não tem o que fazer, além de só cuidar dos filhos, faz com que eles tenham esta dependência eternamente. Me recordo de uma frase de Calil Gibran; “os filhos não são nossos filhos, são filhos da saudade da vida por si mesma” e é isso mesmo, os filhos são passageiros, consequentemente a nossa participação na vida deles deve ser adulta.

IZZA – Sendo você feminista. O que achou da participação das mulheres na Constituição?

MARIA DE LOURDES – Bem, primeiramente acho uma boa Constituição. O problema é ser posta em prática. Será que as leis ordinárias vão fazer com que ela se torne realidade? Nela, as mulheres provaram que podem ser muito boas e às vezes até melhores do que os homens. Vinte e três mulheres de partidos diferentes desde Sandra Cavalcanti de extrema direita até Benedita extrema esquerda, formaram um bloco que votava inteiro, em cima das questões, tanto é que quando eles queriam alguma coisa das mulheres, falavam com todas, nunca isoladamente.

Elas levantaram todas as questões, por exemplo da propriedade dos 120 dias que foi altamente discutido. Acho que o mínimo que uma mulher pode querer é ficar com o nenê neste período. Alegar que elas não vão ter trabalho não é certo, porque as mulheres nunca tiveram facilidade para trabalhar. Se você jornalista for buscar um trabalho, junto a um homem, de você eles exigirão muito mais, terá que provar que é boa, que trabalhou em outros lugares ao passo que para ele o diploma basta.

IZZA – Você é grande defensora das mulheres, não é?

MARIA DE LOURDES – Eu sou intransigente, eu defendo as mulheres de pena dos homens. Acho que, enquanto tivermos nossa cabeça tão ruim vamos continuar criando homens que vão nos massacrar, porque é a gente que passa para eles as coisas erradas. Quem é que diz, “você senta na cabeceira da mesa querido”, é a mulher, não ele. É ela que determina o que deve ser feito. “Filhinha, traga o chinelo para o seu pai”. De repente se você disser para a sua filha”pai é um homem importantíssimo pelas coisas que ele faz, mas aqui dentro de casa nós dois somos iguais. “Tudo fica melhor.

Ninguém precisa tratar o chinelo de ninguém, mas ele continua sentado com o chinelo, jornal na mão. Esta imagem se tornou ridícula e não mudou nada, por isso digo que eu sou uma defensora do feminismo porque o machismo está aí. Homens que não deixam as mulheres falar, reuniões em que as mulheres ficam só servindo a mesa, porque não sentam para conversar? Porque essas diferenças? O amor iguala. Alguns preferem conviver com uma mulher ignorante porque as inteligentes questionam. Cobram. Veja, até na questão da idade que acho ridícula.

Se um homem mais velho estiver com uma mulher bem mais jovem dizem: “Que bom, ele é ótimo, jovem ainda”. Mas ouse falar no contrário, de uma mulher mais velha convivendo com um homem bem mais jovem, já dizem que ela o está sustentando. Vinicius de Moraes tinha toda a razão quando dizia: “Que me perdoem as feias mas a beleza é fundamental”, mas só que o que ele queria dizer não é o que a maio- ria entendeu. Beleza é outra coisa, senão só se casariam os lindos. Beleza é um estado de espírito, o brilho.

IZZA – E os planos futuros?

MARIA DE LOURDES – Eu agora estou indo para Moçambique, porque trabalho com uma empresa de projetos agrícolas e nós ganhamos uma concorrência para fazermos o assentamento de famílias na zona rural. Vamos acampar perto de Beira e eu sou a socióloga que vai com eles. Comigo vão mais alguns alunos que me convidaram para fazer a parte de levantamento sócio-econômico. Pretendo ficar dois meses. E o primeiro projeto fora do Brasil do qual participo, acho que vai ser muito interessante.

IZZA – Você teria algo a dizer para as mulheres no “Dia das Mães?”

MARIA DE LOURDES – Acho que as mães são heroínas, mas principalmente as da classe média para baixo. Mulheres que trabalham, operárias que varrem ruas, pegam três ou quatro conduções para chegarem em casa e ainda têm que resolver os problemas domésticos. Para essas mães o meu maior respeito. Elas dão continuidade para a espécie com todas as dificuldades. A classe média para cima tem os filhos que quer e da média para baixo, tem os filhos que tem. Quando elas dizem Deus mandou. Isso quer dizer que ela não pode evitar e aceitou. Para todas as mães eu só posso dizer, continuem, e elejam bem o presidente.

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