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“EU ACREDITO NO TRABALHO” fala Fani Lerner

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Curitiba, 10 de junho de 1989

 

FANI LERNER. Com dinamismo, acumula funções. Secretária da Criança, cargo ao qual se dedica incansavelmente, atuante, participa do Conselho Permanente da Mulher Executiva. Nesta entrevista, ela nos conta como divide o seu tempo e o que pretende realizar. Esta é Fani, Sra. do nosso prefeito Jaime Lerner.

 

IZZA – Como vai a Secretaria?

FANI – Vou de contar sobre a Secretaria, porque este projeto faz parte de um todo. A Secretaria da Criança é um trabalho que me envolve muito, porque eu sempre gostei e gosto de crianças, e pessoalmente, em termos de programa de Brasil, eu acho que se nós não lidarmos com a educação, não teremos muita saída, porque o País precisa de uma Educação séria e um atendimento especial às crianças. Eu trato disto há muitos anos até em função da parte política do Jaime, e é uma coisa que eu gosto.

Na outra vez, eu realizei um trabalho de voluntariado grande, sem tentar me envolver com cargos, mas de repente, não é assim tão fácil você pôr as tuas idéias em prática, uma vez que, existe o secretário, o Provopar, que reúne voluntários. Esta vez, até as pessoas brincaram muito comigo dizendo que eu seria candidata a vereadora, e eu confesso que gosto de política, mas não aprecio a competição. Até pensei nisso, mas quando o Jaime entrou, eu nem lembrei mais de minha candidatura.

IZZA – Como surgiu a ideia de você assumir a Secretaria da Criança?

FANI – Quando as coisas ainda estavam indefinidas, o Jaime sempre dizia que se tudo desse certo, eu seria a secretária da Criança, e a proposta foi tão sincera que eu até cheguei a me emocionar. Eu senti que poderia fazer um bom trabalho, juntaria voluntárias, e principalmente a caneta estaria na minha mão, para direcionar os programas. E, o meu sonho tomou-se realidade, ele ganhou e eu fiquei com a Secretaria. Me orgulho muito disso, e me esforço bastante.

IZZA – Como é ser mulher do prefeito e ainda assumir uma Secretaria?

FANI – O acúmulo de funções, ser esposa do prefeito, do homem público, a secretaria, que é bastante grande. Não é fácil, mas vou fazendo o que posso.

IZZA – O que faz parte da Secretaria?

FANI – Toda a parte de creches, mais de cem, e oito para inaugurar, 10 mil crianças, que dispõem de quatro refeições diárias, preparação de babás, atendimento completo. Também existe a parte dos meninos de rua, que eu considero o problema mais difícil. Temos ainda auxílio às entidades sociais que, por enquanto, está complicado por- que não temos dinheiro no orçamento para isso.

IZZA – para que tudo isso funcione, qual foi o primeiro passo?

FANI – Fiz o voluntariado voltar, porque através do Provopar eu tenho maior mobilidade para arrecadar recursos. Por isso, o Provopar ressuscitou e está bastante bem, e conseqüentemente junto com o Provopar e a Secretaria foi lançado o “Vale Creche”, que é um programa muito bonito, pioneiro e está tendo sucesso. Existe há vinte dias. Sabemos que seriam necessárias no mínimo 400 creches para atender pessoas de até três salários mínimos e ainda não temos, porque na educação existe um salário educação, para os empresários. Creche é uma coisa mais nova, apesar de que atualmente a Constituição vai exigir que uma fábrica com mais de cem crianças, tenha a sua creche.

Então, com esta possibilidade da Constituição exigir, e como é difícil fazer uma creche, criamos este mecanismo que seria bom para a prefeitura e para o empresário, porque ele descarregaria no Imposto de Renda e nós poderíamos aumentar o número de creches. A parte técnica caberia à Secretaria e trabalharíamos em conjunto com a cidade. E a grande vantagem também para o empresário é que a criança ficaria perto de sua casa, podendo frequentar qualquer creche da rede, tanto da prefeitura quanto da rede assistencial etc. É um projeto piloto. Diariamente estamos estudando mais, aperfeiçoando melhor.

IZZA – O que seria exatamente o Vale-Creche?

FANI – Por exemplo, se um empresário tem na firma mulheres com crianças pequenas ele nos chama pelo telefone 223-1011. Vamos procurá-lo, e ele compra através de um carnê, uma vaga para aquela criança que terá o direito de frequentar a creche paga pelo empresário, em local que seja mais conveniente e que facilite para a mãe.

IZZA – Este projeto está sendo bem aceito pelos empresários?

FANI – Muito. Inclusive os padrinhos estão trabalhando junto conosco em parceria. O Jaime vai trabalhar com parcerias, com o empresário porque nós temos chance de salvarmos o nosso país, justamente pela iniciativa privada. Fizemos um café da manhã para estes padrinhos no Hotel Slaviero e quatorze creches foram inteiramente assumidas pelos empresários. Foi bonito.

IZZA – Com a sua entrada, esta parte foi impulsionada não é?

FANI – É, porque eu gosto muito e o que a gente aprecia e faz, transmitimos. Faço com amor e me empolgo com os resultados.

IZZA – Nas outras vezes em que o Jaime foi prefeito, você atuou neste campo?

FANI – Na primeira vez não, porque eu tinha criança pequena, e eu era nova; na segunda vez trabalhei, tenho orgulho de ter começado o Programa Nosso, lidando com mulheres de núcleos de desfavelamento. Também começamos as creches e, quando ele saiu, já existiam 47 creches.

IZZA – Este é um programa de muita responsabilidade, não é?

FANI – Claro, cuidar de criança é uma responsabilidade muito séria. Quando ela nasce, não pede para nascer pobre, por isso acho que ela tem direito, e nós que podemos, temos que proporcionar coisas boas e a creche é uma coisa muito bonitinha, porque a criança se desenvolve pedagogicamente, psicologicamente, ela come, brinca. A mãe às vezes vê menos a criança, do que a creche como estrutura, por isso a nossa preocupação é melhorar cada vez mais para que este trabalho seja bem feito.

IZZA – Qual seria o custo de cada criança numa creche?

FANI – Cinqüenta cruzados para o empresário é o custo. Uma criança que já esteja com má formação, desvio de conduta, custaria quatro salários mínimos, e dificilmente se recupera. É difícil uma pessoa que sofreu fome, surras, abandono, se levantar. Sabemos que quanto mais crianças pudermos atender, menos delinquentes teremos.

IZZA – E como vai o menino de rua?

FANI – Este problema realmente me tira o sono: as soluções são difíceis, não há muito dinheiro nesta área, mas atualmente estamos fazendo um programa junto com o Juizado de Menores, porque eu não posso decidir nada sem a licença do Juizado. A Frei pode recolher um adulto, mas eu, somente com a presença do Juiz, porque estamos tratando com menores. Estamos realizando um bom trabalho com dois juízes da 1ª e 2ª Vara. Vamos lançar o S.O.S. Criança e sabemos que o mais importante para a criança é a família, não necessariamente a família-mãe, mas alguém que olhe por ela. Então através do Juizado, tentaremos tirar a criança do centro da cidade, levar para os pais e trabalhar lá, nos bairros. Vai ser difícil, mas vamos tentar.

IZZA – O número de crianças totalmente abandonadas, é elevado?

FANI – Devem existir aproximadamente 700 aqui em Curitiba. Sem vínculo nenhum com pai, mãe ou alguém. Muitas vêm de cidades vizinhas, geralmente com doze ou treze anos e se criam em gangues. Daí, vêm os problemas de cola e até entorpecentes. Muitos são também explorados pelos adultos porque o Código protege o menor.

IZZA – No tocante à marginalização, qual seria a solução?

FANI – Neste período de atuação do Jaime, pretendemos ter as creches, e a escola integral que é a solução porque a idade mais comum para a marginalização começa aos sete, oito, nove anos e a escola integral os levaria até os quatorze anos. Depois disso já partiriam para o trabalho.

IZZA – E os compromissos, dá tempo para comparecer a todos? Ou à maioria?

FANI – Temos bastante compromissos, mas sempre tivemos uma vida participante dentro de Curitiba, pois é a terceira vez que o Jaime é prefeito. Gostamos de artes, galerias, temos muitos amigos, vamos muito ao teatro, cinema. Cumprimos os compromissos com prazer, porque existe uma amizade enorme entre nós e as pessoas de Curitiba. Para nós que nascemos aqui, e recebemos carinho, é gostoso.

IZZA – E as filhas?

FANI – Andréa está atualmente em Nova Iorque, se dedica ao Ballet. Ela já passou um ano lá, se aperfeiçoando e fica até o final deste ano. Depois volta para trabalhar aqui. Ela adora, liana, a mais nova, estuda Jornalismo na Federal. Depois que se formar, pretende fazer especialização fora.

IZZA – Como é o teu dia-a-dia?

FANI – Eu começo cedo às 7 horas da manhã, fico na Secretaria até a hora do almoço, porque costumamos almoçar em casa, juntos, esta é uma das vantagens de Curitiba. Aqui podemos conversar, estar em casa neste horário. Logo depois do almoço já estou na Secretaria novamente, a não ser que haja alguma programação diferente. O que tenho sentido um pouco ultimamente, é que tenho deixado de lado a parte social, por exemplo, um lanche, mas a minha prioridade de trabalho é tão maior que eu me envolvo, e deixo para mais adiante, quando tudo estiver melhor encaminhado. Estes lanches têm a sua finalidade, a sua importância porque tem a finalidade de arrecadar fundos para as entidades sociais, filantrópicas.

Estruturar a Secretaria foi difícil e à vezes a minha parte aqui se mistura um pouco com a de esposa do prefeito. Gosto de participar e ajudar quando possível, porque a vida de um político é muito atribulada e se a esposa não participa, deve se sentir muito sozinha. Assim a gente inclusive se compreende mais, porque se ele está cansado e eu também, até o respeito é maior, não existem cobranças, o pique é o mesmo. Eu acredito muito no trabalho porque acho que a gente vem ao mundo por alguma razão e isso me preenche como ser humano. Eu jamais ficaria sem trabalhar.

IZZA – O que você acha da atuação das mulheres atualmente?

FANI – As mulheres são muito determinadas, constantes. Acho que começar e terminar vem do nosso próprio instinto. Não sei se não é porque estamos entrando agora no mercado de trabalho e há muita expectativa, cobrança. Eu faço parte do Conselho da Mulher Executiva e elas são ótimas, inclusive elas estão lançando “Quem Governa os Governantes”, “Retorno à Produção”. Isso foi uma ideia delas. Eu às vezes me afasto um pouco pelos meus afazeres, mas admiro o trabalho que elas vêm realizando. Estamos lutando. Temos ainda um caminho muito longo para percorrer porque por muitos anos, ficamos no anonimato.

Acho importante que sejamos reconhecidos por nós mesmas, pela nossa capacidade. Os homens e as mulheres são iguais, sofrem as mesmas frustrações, as tristezas, as alegrias e consequentemente podemos ter os mesmos poderes, só que ainda não conseguimos, mas estamos tentando chegar lá. Qualquer pessoa tem o direito de ser o máximo que puder ser. Também queremos crescer. Nós mulheres ainda trazemos marcas e preconceitos de nossa educação, digo, a nossa geração. Talvez por isso não tenhamos crescido mais.

IZZA – O que você curte fazer nas horas de folga?

FANI – Adoro cinema, me distrai. Eu e o Jaime vamos bastante porque ele também adora. Fora o cinema, as reuniões com amigos. Apreciamos muito.

IZZA – Desde que você começou o seu trabalho, o que mais a emocionou?

FANI – A minha maior emoção é quando consigo salvar, encaminhar uma criança, saber que posso ajudar algumas destas pessoinhas que nasceram e que necessitam de nossa ajuda. É uma missão enorme. Outra coisa que muito me toca é o reconhecimento de pessoas sinceras. Sou muito sensível e me emociono sempre. Na vida de um político, as emoções são constantes, o que temos que ter, é um enorme preparo psicológico para lidarmos com elas. Tirar o bom e o ruim destas coisas. A última vitória do Jaime foi uma emoção incrível. Até hoje, quando penso, não sei explicar como foi possível fazer tudo em doze dias. A alegria das pessoas. A ajuda a participação de muitos, que cooperaram. Eu nunca vi nada igual. A espontaneidade e empolgação também dos jovens foi fantástica. Maravilhoso.

IZZA – Para encerrarmos o nosso bate papo, o que você gostaria de dizer?

FANI – As pessoas de boa vontade e que gostem de Curitiba como nós gostamos, que venham os ajudar, auxiliem nossos gatinhos e nossas gatinhas. Toda a ajuda é válida e preciosa.

 

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