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“SINTO-ME GRATIFICADA POR TER SENSIBILIDADE” expressa Eleonora Valente

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Curitiba, 8 de julho de 1989

ELEONORA VALENTE, dispensa apresentações. Decoradora talentosa, conhecida, pioneira em Curitiba, na decoração inclusive de igrejas, clubes e hotéis, faz de seu dia-a-dia, constante atualização no ramo. Eleonora tem trinta anos de dedicação e competência, por isso ela é o destaque.

 

IZZA – Quando é que você tomou conhecimento de seu talento para decoração?

ELEONORA – Quando eu era menina, sete ou oito anos, já ajudava a minha mãe a preparar os enfeites para minhas festas de aniversário, montar as mesas, fazer arranjos. Na época, a minha avó era uma grande esteticista, uma mulher de grande sensibilidade para a arte, apaixonada pela beleza, e aos nove anos, eu morava numa chácara e fiz um arranjo de flores com rosas cor de rosa e violetas, que a encantou.

Acho que puxei por ela, porque adoro admirar o que é belo. Aí, comecei a fazer combinações. Se eu pudesse, deixaria de fazer decoração para me dedicar somente a arranjos de flores. Então comecei a fazer muitos arranjos para a boutique de minha mãe e enfeites de Natal fantásticos. Como na época quase ninguém fazia isso, até para São Paulo eu vendi. Eu pegava flores secas, nos campos e montanhas, pintava com ouro velho, etc. Foi uma fase muito boa.

IZZA – E depois dos arranjos?

ELEONORA – Quando casei, desenhei todos os móveis de minha casa, e mandei fazer pelo marceneiro alemão Kurt Boigerte. A minha decoração foi muito admirada e copiada. Minhas amigas adoraram, principalmente a do quarto. Na época, a moda era pé de palito, mas eu nunca admirei o estilo. Então decorei no colonial brasileiro. Acho que foi a primeira casa realmente decorada, aqui em Curitiba. Na ocasião, Titá Burlamarc estava aqui decorando a casa do Farid Surugi e foi me visitar.

Ficou encantada com a minha decoração e daí por diante fui ao Rio fazer uma pequena especialização com ela, e a substituí. Não foi difícil porque os meus filhos já estavam grandes e à tarde iam para o colégio. Meu marido permitiu, desde que o trabalho não interferisse nos afazeres do lar. Então muitas amigas passaram a solicitar os meus palpites porque eu sempre estava por dentro da moda, mas no começo eu não tinha jeito para cobrar. Fazia um preço baixo, e dava vazão àquilo que gosto. Com o tempo me tomei realmente uma profissional.

IZZA – Você é vista como a pioneira em decoração aqui em Curitiba. Foi fácil abrir caminho?

ELEONORA – No ano que vem, completo 30 anos neste ramo. Sei que abri caminho para todos os decoradores e isso não foi fácil. Para introduzir a decoração, comecei a escrever artigos na revista do Calil Simão, “Planalto”, onde eu defendia a profissionalização do decorador. A mentalidade aqui era de que pegar um decorador por não saber decorar a casa, era falta de personalidade. Imagine, devagarinho as pessoas foram entendendo que chamar um decorador, um técnico que soubesse onde pôr uma mesa, um sofá, dar uma disposição correta, seria inclusive econômico. Em Curitiba na época não existia mais nenhum decorador. Existia uma casa de decorações do Paulo Valente, mas o estilo dele era funcional, bem diferente do meu gênero. Lutei contra o preconceito, mas consegui.

IZZA – E quanto ao estilo?

ELEONORA – Talvez a minha decoração tenha uma espécie de registro, mas acompanho a moda, o que se usa. Por exemplo em 1970, entrei numa época horrível que foi o metal cromado e o acrílico, então eu colocava uma ou outra peça, mas confesso que hoje eliminei totalmente coisas no gênero. Além de não ser uma coisa que atravessa 0 tempo, era de difícil manutenção, cansativo e frio, por isso misturava. Prefiro as coisas que não caem de moda. Hoje em dia eu já não sou modesta, e reconheço que, se atualmente eu não tivesse feito o nome que tenho hoje, eu não estaria dizendo o que estou dizendo.

São 30 anos de trabalho árduo, constante e o meu prazer é ver o final da decoração. É difícil, porque as pessoas nos responsabilizam até pela arte de arquitetura, por um degrau mal colocado e, às vezes, tenho que dar uma solução para esta parte que cabe ao arquiteto que fez o projeto, ou ao engenheiro que deve ter a capacidade de não me perguntar isso. Decorar não é arrumar uma sala. É muito mais do que isso. Hoje eu posso dizer tranquilamente que tenho minhas obras expostas. Santa Mônica, no qual resolvi até problemas técnicos de funcionamento, os salões de festas, a noite etc. Tenho minha assinatura em São Paulo, Rio, Maceió, etc.

IZZA – Quais foram os mais importantes projetos desenvolvidos?

ELEONORA – Todos são importantes, mas eu poderia citar entre outros. A nível nacional, o Buffet França, um dos mais importantes de São Paulo, e muitas residências de personalidades da sociedade paulista e carioca. Aqui a minha primeira decoração foi a casa da Nice e Ney Braga, depois a residência do casal Ivo Leão Filho, o Hotel Guara, o Hotel Deville Colonial, o Santa Mônica e muitos outros.

IZZA – Como você chegou a ser solicitada fora de Curitiba?

ELEONORA – Aqui as pessoas começaram a divulgar o meu trabalho, e outras me procuraram. Também atribuo ao fato de eu ter publicado meus trabalhos em revistas. Eu levei um ano fazendo uma paginação na revista Vogue e esta página era esperada pelos leitores. Fiquei conhecida também pelo grande tempo no ramo. Sempre me dediquei inteiramente, também porque nasci com esse dom de decorar.

IZZA – O que é ser uma decoradora?

ELEONORA – Eu sempre tive tanta responsabilidade com o dinheiro alheio, que em qualquer obra, assumo o trabalho como se fosse meu. Defendo o cliente com unhas e dentes. E, neste ponto é que eu te afirmo que sou muito pouco comerciante. Lido muito mais com a parte emocional da arte do que com a parte econômica. Em primeiro lugar sempre pus a minha responsabilidade, obrigação, o meu dever e o meu compromisso com a beleza, depois vem a parte comercial.

Decorador para mim é aquele que sabe arrumar até um vaso de plantas do mato e deixar bonito, arrumar uma vitrine, fazer do nada alguma coisa bonita porque gastar é muito fácil, é só chegar nas melhores lojas, comprar. O meu trabalho sempre foi suado, lutado, sofrido e com muita dedicação. Decorar não é somente colocar uma mesa e duas cadeiras. Para mim não é um hobby. É ter a coragem de fazer coisas diferentes. Eu fui a primeira a fazer aqueles banheiros lindos, porque antigamente os banheiros eram horríveis. Os meus banheiros saíram até na “Casa e Jardim” e eram famosos. Inventei, criei, e, quanto material eu usei.

IZZA – É difícil se manter sempre atualizada?

ELEONORA – Estou sempre alerta com o que vai se usar. Não sei te dizer se isso está no meu subconsciente, se ouvi alguma coisa, porque viajo muito e visito show-rooms nos Estados Unidos, assim estou sempre sentindo as tendências. Então geralmente quando as pessoas estão indo, eu geralmente já estou saindo para outra. Há vinte anos atrás quem lançou a combinação verde e azul fui eu, juntamente com a Formatex. Hoje marrom e preto está na moda. Decorei até em bege e cinza e ficou lindo.

IZZA – Neste tempo todo, o que mais a gratifica?

ELEONORA – A admiração e o respeito dos decoradores mais tradicionais, principalmente os de São Paulo. O reconhecimento de minha força e de meu trabalho.

IZZA – E a concorrência?

ELEONORA – Ultimamente está havendo um excesso de decoradores, mas com certeza somente os bons permanecerão. É uma pena que esta profissão venha cada vez mais se prostituindo, pois hoje muitos intitulam-se decoradores sem dispor da mínima noção. Seria maravilhoso se fosse criado um curso de arquitetura de interiores, a exemplo do que existe nas universidades norte-americanas.

IZZA – Você conta com uma equipe para este trabalho?

ELEONORA – Tenho arquitetas que estão cursando o último e o penúltimo ano, uma secretária que toma conta de tudo e uma ajudante para a parte de atendimento. São sempre quatro. Já tive mais, mas atualmente está bem assim. Não estamos mais na década de 70 que para mim foi a década dourada, maravilhosa. Hoje a luta é grande, quanto mais se ganha, mais se gasta.

IZZA – Este contato decoradora-cliente, como é que funciona?

ELEONORA – Primeiramente é necessário uma conversa, a planta da casa, ver o que a pessoa quer, o que ela pensa que deveria ser. Dali a gente parte para idéias e sugestões. Vou propondo e a pessoa vai aceitando, até na parte dos acabamentos. Quando tudo é feito de acordo, fica até mais bonito do que o cliente espera. Na parte de colorido e disposição, geralmente o cliente não interfere, porque é para isso que me procuram.

A única pergunta que faço, é qual é a cor que a pessoa não gosta. Em trinta anos, nunca tive problemas no sentido da pessoa não gostar de uma decoração depois de pronta, graças a Deus. Nunca precisei desmanchar o que fiz. Me sinto gratificada por tido esta sensibilidade. É a segurança do trabalho.

IZZA – Você tem dificuldades com mão-de-obra especializada?

ELEONORA – Está acabando. Quando comecei havia muitos alemães que faziam artesanato com perfeição. Eu lido com gente de primeira categoria, mas é difícil. Inclusive as marcenarias têm dificuldades em encontrar perfeição, mão-de-obra qualificada. Mas pensando bem, atualmente não se encontra quase nem um bom encanador, eletricista etc. Claro que tenho uma equipe maravilhosa que sempre trabalha comigo, mas para a pessoa mandar fazer sozinha é bem mais difícil.

IZZA – O que você acha do campo de trabalho de Curitiba no tocante à decoração?

ELEONORA – Sempre tenho muitos clientes novos, mas os meus antigos sempre voltam, renovam, reformam. Daqui a pouco já são os filhos que me procuram e depois os netos. Pretendo trabalhar até quando tiver disposição.

IZZA – Por que algumas pessoas a consideram uma decoradora cara?

ELEONORA – Não me considero e acho até que sou uma das menos dispendiosas. Defendo muito os interesses de meus clientes e procuro contornar o problema econômico, mas infelizmente a gente paga o preço do nome. Sempre existem os que querem interferir em nosso trabalho. Inclusive os que falam que eu viajo muito, devem saber que o meu escritório não pára e quando saio, é somente por poucos dias. Quando vou a Nova Iorque pesquisar novidades, claro que aproveito para passear também, mas estou constantemente ligada no meu trabalho. Geralmente saio por dez dias, são viagens curtas, e enquanto isso minha equipe dá continuidade.

IZZA – A crise atual diminuiu a procura de decoração?

ELEONORA – Eu acredito que no ano passado sim. Este ano, acho que as pessoas cansaram de esperar melhorias. As indústrias continuam reajustando preços, portanto não há perda para elas. O que é necessário, temos que comprar e pagar o preço do dia. Sei que meu trabalho é de luxo, por isso tenho que facilitar de toda a forma, abrir mão de muitas coisas. Creio que as pessoas que estão com dinheiro na mão, decidiram morar bem, aproveitar um pouco. As pessoas têm que morar, construir, portanto apesar da crise temos que seguir em frente. Depois, falar em crise não resolve nada, o importante é trabalhar mais.

IZZA – Como é que anda a vida social?

ELEONORA – Gosto. Frequentar a sociedade inclusive é importante para o meu trabalho. Hoje gosto muito de jogar bridge à noite, e nada disso interfere no meu trabalho. Festas grandes não aprecio muito, prefiro os bates-papos, reuniões menores. Curto teatro, não aprecio ficar em casa sem fazer nada.

IZZA – Quais seriam teus planos para o futuro?

ELEONORA – Muita vontade de construir outra casa. Sempre estou inventando coisas, porque o trabalho paralelo é importante para mim. Já tive uma agência de turismo e também uma loja de decoração, a E.V. Tive que encerrar as duas por falta de pessoas que tomassem conta para mim. Tenho vontade de algum dia ter uma loja, junto com um escritório de arquitetura e decoração porque quero continuar trabalhando sempre.

 

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