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“Curitiba das lembranças, cores e cheiros”, de Rodolfo Doubeck Filho

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Rodolfo Doubeck Filho

 

Curitiba, 4 de novembro de 1990.

Não se particulariza, numa carta, a cidade da gente. A questão é de universalidade.
Como no verso tão verdadeiro de Ferreira Gular, “a árvore voa no pássaro que a deixa”.
É da Curitiba universal, de minha aldeia, que quero falar. É a esta
Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais que me dirijo para cantar seus encantos,
a bruma irreal, mágica, das manhãs de geadas. Fica, como retrato mais permanente, o da Curitiba da infância revisitada agora sobre as névoas das lembranças. Aquela Curitiba de nossa casa com quintal e eu, guri, a transpô-lo pela mão de meu pai. A ganhar horizontes, acompanhando-o nos passeios extra-muros, pela poesia singela das paisagens de arrabalde.
A casinha polonesa, embora minha origem alemã, a recortar-se em meio ao verde,
araucária em primeiro plano. Cena eternizada nos desenhos e pinturas de meu pai,
o litógrafo Rudi Doubeck. Detalhismo provado pela arte e paciência de minha mãe Pequena, nos bordados, na decoração dos pães de mel.
A Curitiba das lembranças, é cheia de cores, cheiros vários.
Do país da infância veio a leitura possível de hoje, já filtrada pelo caminho
seguido da arquitetura, pelas vivências do depois.
Então em minha memória o centro velho, germânico, ainda visível nas fachadas do setor
histórico; as casas polacas de tronco que vi primeiro na região metropolitana mas possíveis
de visitação hoje, no Bosque do Papa; a cultura rica dos oriundos no bairro italiano de nome generoso, Santa Felicidade; os porte-bonher dos eslavos, nas pêssankas de detalhes primorosos. Subsiste uma Curitiba dos imigrantes, cada um trazendo em si a universalidade da terra natal e absorvendo, por aqui, a grandeza curitibana.
Cada um tem seu próprio alfabeto para a leitura da cidade.
Meu código é múltiplo, envolve uma vida inteira aqui passada. À minha Curitiba de hoje,
que não poderia escapar a crise pela qual passa o país, só alerto para que não perca o que há de bom nos ares provincianos, como gancho para um futuro harmônico.
Que permaneça a cordialidade das cadeiras na calçada, das conversas férteis do lusco-fusco,
da boa vizinhança, da amizade genuína – embora nem sempre tão expansiva.
É preciso, Curitiba, estar atento para que a urbanização acelerada não ponha a perder o que
de bom ficou dos velhos hábitos, do coração generoso de uma terra
que sempre acolheu e até hoje abriga tantos, de tantos lugares.
Daqui, ou de qualquer outro lugar do mundo, o carinho de seu filho.

RODOLFO DOUBECK FILHO
ARQUITETO

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