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“ACHO TODO ARTISTA CRÍTICO E EXIGENTE CONSIGO MESMO” comenta Lélia Brown

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Curitiba, 21/22 de novembro de 1987

Iniciou seus estudos de pintura com Edilma D’AviIa, depois teve aulas com o mestre Guido Viaro, dando assim seus primeiros passos na pintura. Recebeu orientação também na academia do pintor carioca De Vicenzi e depois novamente em Curitiba com Luiz Carlos de Andrade Lima. Desde 1978 participou de exposições coletivas em galerias de todo o País e em seu curriculum figuram muitas individuais.

Lélia  foi também capa da revista Passarola, distribuída nos vôos internacionais da Varig. É professora de Desenho Artístico, verbete no Dicionário de Artes Plásticas de Walmir Ayala, edição de 1987, foi coordenadora dos Salões Curitiba Arte II e III, coordenadora do Comitê Cultural Álvaro Dias, Setor de Artes Plásticas, apresentadora e entrevistadora do Programa sobre Arte na TV Curitiba, Canal 2 e suas obras figuram em importantes acervos no Brasil, Assunção, Tel Aviv, Tókio, Bruxelas e Midletown. Em agosto realizou com sucesso sua individual na Casabrannka Galeria, “Viva o Circo”. Assim é Lélia. Vamos conhecê-la melhor.

 

IZZA – Como foi o seu início como pintora?

LÉLIA – Meu início de carreira profissional foi há mais ou menos 10 anos atrás. Antes eu trabalhava. Comecei aos poucos, só que eu não pintava como pinto agora, hoje. Minha pintura era diferente, estava ainda naquela de buscar um estilo, um caminho ou coisa assim, e como tudo na vida do artista vem por acaso, o “estilo” também acontece por acaso. De repente você desenvolve uma linha e começa a levar. Há aproximadamente 12 anos, entrei no estilo de trabalho que faço hoje. Mais engatinhava.

Comecei a melhorar, gostar do que estava fazendo, mostrar e agradar. Foi mais ou menos nesta época que Letícia apareceu. Tinha Galeria em casa, e houve o primeiro convite: “vamos fazer uma individual, te lançar como artista profissional”, e ela ficou me observando, até que eu estivesse apta, e depois do “agora dá”, fizemos a minha primeira individual em 1981, e deu certo. Até aí eu só era conhecida socialmente, mas não como artista. Letícia me lançou no mercado, tive sucesso, e daí para frente foi como uma bola de neve. Foi aumentando, e dentro do trabalho que eu estava fazendo na época, continuei me aprimorando, aperfeiçoando até chegar aqui, e hoje ainda tenho muita coisa pela frente.

IZZA – Você já tinha então aí definido o seu estilo?

LÉLIA – Meio definida, estava começando com o estilo que tenho hoje. Porém faltava ainda uma parte de técnica, de estudo, enfim de trabalho em cima. Quanto mais você trabalha, estuda, mais você aprimora, e eu levei esses 10 anos trabalhando em cima disso e tenho mais do que 10 pela frente. A gente nunca chega ao ponto de dizer “meu trabalho é ótimo, maravilhoso, posso estacionar”.

Como todo o trabalho, a gente sempre tem mais a fazer e a aprender, e acho que o artista que chegar a afirmar: “cheguei ao meu máximo” está morto, porque nunca chegamos ao ponto máximo. O trabalho do artista é de pesquisa constante, porque ele geralmente não se satisfaz com o que faz. Por exemplo: eu pinto um quadro, olho e digo “isto não está bom”, às vezes não está ruim e sim maravilhoso, mas para o artista ele
sempre terá condições de fazer algo melhor. Aquilo que ele fez ainda não é o melhor e poderá fazê-lo se trabalhar mais, mudar alguma coisa. Querer algo mais é um grande incentivo para o nosso trabalho.

IZZA – Isso acontece com todos os artistas, ou você é extremamente crítica e exigente consigo mesma?

LÉLIA – Acho que todo artista é critico e exigente consigo mesmo. Ele tem a noção de poder melhorar, a noção da busca, penso que é uma geral. Faz parte de nosso trabalho. Sou critica e exigente, perfeccionista. Se o trabalho não estiver bom, vou mexendo até que fique. Todo artista é assim.

IZZA-Conte-nos o “porquê” de sua preferência por temas tropicalistas e místicos? Há alguma razão para isto?

LÉLIA – Não. Tudo acontece por acaso. Depois de minha primeira individual em 1981, tive um convite para ir a Brasília fazer outra individual: 40 trabalhos meus e 40 de outra pintora, Gecília Garbaccio, no Senado Federal, representando a arte do Paraná com o incentivo do Governo, apoio do Bamerindus. Aí comecei a pensar o que iria apresentar, teria que ser alguma coisa muito boa, então me passou pela ideia, pegar um tema e estudá-lo. Foi o primeiro trabalho baseado em pesquisa. Optei pela mitologia greco-romana. O tema se adaptava a meu estilo (figuras sem olhos) e o misticismo estava presente dentro de minha pintura. Deu certo, foi uma exposição muito bonita e em seguida veio outra “Candomblé”. Todo artista tem um pouquinho de louco.

Candomblé, o brasileiro entende um pouco. Todo mundo se diz entendido, mas tenho medo, e poucas pessoas estudam para saber exatamente o que é. Confundem com magia negra, Vudu, coisa ruim, macumba, mas não é. É lindo. Estudei desde a origem africana, a vinda ao Brasil, a sincretização com a religião católica, a influência com a civilização brasileira, com a nossa civilização. Ela passou a ser uma religião dentro do Brasil, não pode ser ignorada, não é uma seita nem uma tenda ou coisa assim parecida. Isso tudo era uma incógnita para mim, eu nunca tinha ido, visto em minha vida e fui fazer esse trabalho baseado na parte histórica de pesquisa, e como também é um tema místico, se adaptou bem ao meu estilo. Os personagens eram todos negros, e tive muito sucesso. Expus em Curitiba, Salvador, Brasília e Rio de Janeiro e alguns quadros em São Paulo. Trabalhei 2 anos com isso e como também desta vez as figuras não tinham pupilas, começaram os comentários: “a Lélia pinta temas místicos”. Eu gostei. É uma coisa que realmente faz a minha cabeça, mas não foi sempre assim. A exposição seguinte foi uma individual em Curitiba e desta vez resolvi pesquisar sobre o Havaí e o Taiti.

Então entrou o Tropicalismo. Realizei o mesmo tipo de trabalho: li, pesquisei, estudei desde a origem, colonização até a parte dos missionários e a exposição foi maravilhoso, vendi tudo. A seguinte e última que não tem nada de místico, mas no fundo tem muito, foi “o Circo”, totalmente diferente das outras, alegre, gostosa. A pesquisa foi uma delícia porque foi toda feita dentro do próprio circo. Trabalhei, tirei fotos, convivi para saber como eles vivem nos trailers, desenhei. Tive ajuda de um circo que estava aqui na época, o “Circo Espacial”, no início do ano. O tema calhou porque no momento estava havendo um movimento para reabilitar e incentivar o circo no Paraná. A exposição foi bem aceita. Quem não gosta de um quadro alegre de um palhaço malabarista?

IZZA – Aqui em Curitiba, você tem muito apoio das Galerias, imprensa, admiradores, e é muito respeitada. Isso é gratificante, não é?

LÉLIA – Realmente, acho uma coisa muito boa. Todos os artistas deveriam ter tudo isso porque ajuda muito. Na carreira de artista, a gente precisa aparecer, badalar, ser conhecida porque a mercadoria tem que ser vista, é supérflua. Então o apoio que tenho, me ajuda de- mais e eu não sou nada introvertida, não é? Sou bastante respeitada pelo meus colegas artistas e pelos colunistas, críticos, etc. Acho que me impus com o meu trabalho que considero uma coisa muito séria. Nunca boicotei ninguém, nem passei a perna e sempre dei o maior apoio a todos os meus amigos dentro da arte.

Sempre gostei de, quando tenho oportunidade, levar outros junto, consequentemente, isso cria um clima gostoso e aliás é uma constante aqui no Paraná, em Curitiba principalmente. A gente vê fora daqui uma guerra total. São Paulo, Rio, Nordeste, enfim todos os lugares em que eu já andei expondo, o negócio é assim. Você é você e os outros que se danem, então se eu tenho uma oportunidade, é minha e acabou? É uma batalha, você não ter um amigo dentro do meio que trabalha e eternos inimigos para criticar. Aqui não, muito pelo contrário.

Nossa classe é unida com poucas exceções é claro, mas no geral é assim. Pessoas que se ajudam, se apoiam, acreditam um no outro e raramente tentam passar a perna. E bom ir a um vernissage, onde as pessoas te respeitam, te tratam bem e são amigas. Há pouco tempo organizei uma exposição no Centro Israelita, convidei todos os colegas. Aqui temos outro tipo de mentalidade. Se chegar alguém aqui em casa querendo, por exemplo, uma marinha, como este não é o meu estilo, encaminho para outro. Não tento fazer a cabeça para que compre o meu quadro. Isso acontece muito entre nós. Existe um intercâmbio de clientes, é uma coisa mais baseada no respeito e na ajuda, um auxilia o outro.

IZZA – Você se dedica só a pintura ou tem outra atividade paralela?

LÉLIA – Bem, fora tomar conta dos meus três filhos, a minha parte principal é a pintura. Dou aula também esporadicamente, uma vez por ano, na Escola Técnica para o curso de Desenho Artístico e aulas em outros lugares. Quando me pedem para comparecer, faço trabalhos, faço parte da organização de salões, etc. Já trabalhei em televisão, mas me dedico mais à pintura, dentro de casa, sozinha, e o restante ajuda, é um envolvimento que a própria arte traz.

IZZA – Você pinta diariamente ou tem “aqueles momentos” de inspiração?

LÉLIA – A inspiração vem à medida que eu trabalho: quanto mais eu faço, mais inspiração eu tenho. Diariamente produzo, e meu trabalho é muito demorado. Não consigo fazer três ou quatro quadros num dia só. Muito pelo contrário, levo quase uma semana para fazer um pequeno e sobre a criação a gente brinca: “que o trabalho artístico tem 95% de suor e 5% de imaginação”. E realmente é. Primeiramente crio no desenho e dali desenvolvo, conseqüentemente quanto mais se trabalha mais se cria. Estou pintando um, e já estou pensando em outro. Paro, rabisco, esboço, uma coisa puxa a outra. Me dedico muito, emendo manhã, tarde e noite; perco a noção do tempo, de tudo.

IZZA – E quando você fica algum tempo sem pintar, sente a necessidade de recomeçar?

LÉLIA – Não! parar de vez em quando é bom. Às vezes chego a um ponto que dá um branco, esgota, cansa, então é essa a hora de parar. Daí tiro tudo de minha frente e vou costurar, fazer a minha terapia. Sento, imagino, invento, saio, visito gente. Todas as pessoas têm uma válvula de escape. A minha é a costura. Passo um tempinho assim, então dá os cinco minutos, inicio a pintura de novo e a produção
dobra.

IZZA – Pessoalmente, como você definiria a sua pintura?

LÉLIA – Isso é muito difícil. Meu trabalho é óleo sobre tela. Tecnicamente falando é demorado, porque uso a tinta a óleo pura e é cansativo porque para meu gosto tem que sair perfeito. Estilo eu não posso definir porque realmente não saberia. Walmir Ayala, que fez a apresentação de meu último catálogo da exposição “O Circo”, disse que eu não me enquadro dentro de nenhum movimento artístico e de nenhum estilo conhecido, porque eu tenho o meu próprio e acho que dito pelo Walmir é um grande elogio. Se eu afirmasse isso, iriam achar que eu sou um pouco pretensiosa. Meu trabalho tem um pouco de surrealista devido à falta de óleos. É um figurativo moderno, uma técnica puxando um pouco para o clássico, acadêmico e não é de vanguarda, por isso não posso dizer isso ou aquilo. É um trabalho que sai de dentro: sento e ponho na tela e as pessoas definem gostando ou não, levando para casa ou não. E difícil responder sobre aquilo que se faz. “A gente faz porque faz”.

IZZA – Senti que tuas obras não são tristes, têm cor, fazem bem à vista.

LÉLIA – Sim, são coloridas. Eu trabalho muito com cores, principalmente o vermelho que adoro. Verde, azul, o colorido é uma das características do meu trabalho. Ele se adapta ao tipo dos temas que escolho: “Candomblé”, “Circo”, “Havaí”. Mesmo o tema sendo triste, devido às cores, o aspecto é diferente.

IZZA – Você pesquisa muita cor?

LÉLIA – Mais ou menos. Depois de 10 anos, a gente elimina e aprende muita coisa, então é lidar com a tinta. Se aprende com o tempo. Saber o que é bom e o que não é, dentro de determinadas marcas. O produto nacional não é bom. Infelizmente não temos qualidade no tocante a material de pintura, digo a parte de tintas. Não temos pigmentação boa para isso, necessitamos de material importado a preço de dólar, não é brincadeira. Isso encarece o trabalho, mas dá acabamento superior. A tinta estrangeira é ótima, mas certas cores são péssimas e assim acontece na Alemanha, Itália, Holanda, etc. São boas em determinadas cores. A tela nacional é excelente. Qualquer trabalho artístico é caro devido ao custo do material, mesmo os nacionais são dispendiosos.

IZZA – O fato de você não pintar óleos nas figuras causa polêmica?

LÉLIA – Causa. Todas as pessoas me perguntam, é uma coisa incrível. Não existe definição. Como tudo acontece por acaso, de repente pintei uma figura sem pupila e gostei. Fiz a segunda e a terceira e descobri que poderia dar expressão no rosto. Achei diferente, novo, e como tudo que é novo atrai, fiz mais para ver como ficava. Hoje minhas figuras têm expressão, te acompanham. É o conjunto que transmite expressão.

IZZA – Eu soube que você vai fazer uma individual fora.

LÉLIA – Sim, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, na Galeria Janine, no dia 20 sexta-feira. Eu e a Diana Nasser, uma individual de cada uma. Achamos mais prático e econômico dividirmos despesas e companhia.

IZZA – Sobre o seu programa de televisão. Qual era o objetivo?

LÉLIA – Eu fazia entrevistas sobre arte, toda a 2§ feira. Levava o artista que estava expondo naquela semana, ou algum assunto relacionado ã arte que estivesse em evidência. Normalmente eram artistas não só plásticos. Escritores, poetas, todo o tipo de envolvimento cultural e artístico. É um trabalho gostoso, gostei de fazer, parei por falta de tempo. Qualquer hora eu volto.

IZZA – Qual seria a sua opinião sobre as artes plásticas?

LÉLIA – No momento está muito difícil. Existem vários fatores. A crise atual do Brasil prejudica muito, tanto o comércio como as artes e a arte é um comércio também. Com a crise, as pessoas têm medo, não sabem o que é o dia de amanhã e a insegurança está refletida. No ano passado, com a loucura do cruzado nunca se vendeu tanta arte no Brasil. Num mês, vendia-se a produção de um ano. As ‘galerias estavam no auge, tudo o que se relacionava ã arte era vendido porque o dinheiro estava sobrando. Ninguém acreditava em poupança, em nada e como o consumismo andava adoidado, a arte foi beneficiada até dezembro, e essa crise está começando a melhorar agora.

Não é que não se vendam quadros, porém em menor escala. O Governo não ajuda, abre uma porta como abriu com a Lei Sarney, que não é uma coisa fácil de usar, uma burocracia muito grande. É difícil chegar a ser beneficiado, e depois ele fecha outra porta como o ICM. A batalha atual dos artistas é esta. Nos taxaram com 17% de ICM num produto em consignação. Eu não estou dizendo que não se deva pagar imposto, é óbvio que se deve pagar, mas não do jeito que está sendo feito. Ninguém sabe como pagar, onde, quando, só se sabe “quanto”. Se continuar essa lei, tudo que existe de arte no Paraná vai acabar completamente. Por um lado incentivam, dizem que a arte é cultura, de repente te boicotam terrivelmente.

IZZA – Sobre os novos valores: você acha que o Paraná terá grandes artistas como teve no passado?

LÉLIA – Eu acho que sim. Eu e mais um grupo de minha faixa, somos ainda novos valores e acredito que todos nós trabalhando e se dedicando, vamos conseguir levar o nome do Paraná a outros Estados e trazer alguma contribuição, assim como no passado ANDERSEN, VIARO, BAKUM, que deixaram alguma coisa para nós. Espero que a gente consiga também deixar. A geração que está começando, tem muita coisa boa. É gente precisando de empurrão, de mostrar aquilo que faz; é uma geração cheia de vida, de coisas novas. Eles são formidáveis, e têm condições de deixar muita coisa no futuro, se bem incentivados. Eles têm um cabeça boa, acho que vão dar uma contribuição grande, tão grande quanto foram as do passado e espero que a nossa seja também.

 

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