Curitiba, 6 de novembro de 1988
RACHEL RAAD, Sra. Monir Raad, começou muito cedo a trabalhar, o que ampliou sua visão, e fez dela a mulher sensível que é. Ela é simples, querida e se expressa com facilidade. Conversar com Rachel foi muito bom. Confiram.
IZZA – Atualmente qual é tua atividade principal?
RACHEL – Atendo um setor da firma de importação e exportação junto ao Banco do Brasil, mais propriamente na Cacex. Atuo também no setor imobiliário: locação e vendas. Temos uma Construtora que constrói em imóveis próprios da firma e para a firma, ou seja. A firma constrói, administra a venda e a locação dos imóveis construídos.
IZZA – Rachel, você sendo uma mulher destacada nos meios sociais, conte-nos como é a sua vida.
RACHEL – Não sou uma frequentadora assídua. Não que ignore os convites recebidos. Acontece que nem sempre há tempo disponível, já que outras prioridades ocupam meus momentos, embora tivesse prazer em comparecer. Do que realmente gosto, é estar com amigos, pessoas simpáticas que conheço e encontro em uma festa, jantares, etc. Enfim, pessoas com as quais convivemos socialmente. Mas se você me perguntar se gosto de badalar, quanto a isto tenho bastantes limitações. É muito agradável você encontrar com as pessoas, conversar, rir. A gente se distrai. Não somos uma ilha. Não podemos nos isolar. A sociedade curitibana cresceu bastante. Há alguns anos atrás era menor, mais fechada, porém na Curitiba de hoje, a sociedade se emancipou e tem um aspecto distinto. Muitos grupos a formam. Há alguns anos atrás muitos conheciam a muitos. Hoje em dia, se você for a uma festa grande, ou a um baile, notamos que muitos não se conhecem. A sociedade evoluiu bastante, não só em número.
IZZA – Como você consegue manter o seu visual elegante?
RACHEL – Eu elegante? (Que bom). É importante para mim sentir-me bem. Isto com relação ao assunto. Não sigo a moda com fanatismo, pois procuro usar o que me cai bem, e dentro desse aspecto elaboro meu gosto. Moda, cada pessoa faz a sua dentro de suas condições e solicitações diárias. Não me importo muito, pois não sou escrava da aparência. Em minha vida já tive altos e baixos, principalmente na minha adolescência, e pude cedo adquirir uma experiência que me foi muito importante. Adolescente, aprendi qual era a escala de valores da sociedade, ou melhor, da humanidade, e entendi que o verdadeiro valor de uma pessoa consiste no que ela é e no que ela é capaz de realizar, e não na falsa ilusão que uma bela aparência pode causar.
Procuro passar para meus filhos a importância do valor pessoal de cada um, e despertar a consciência deles do que podem ser capazes de vir a realizar. Tive uma professora que sempre dizia aos seus alunos: “Não adianta pegar um burro e vesti-lo na última moda, nem colocar colares de brilhantes em seu pescoço, todos saberão que ele é um burro. A sociedade humana, desde seus primórdios, teve seus valores próprios, não somos nós que vamos mudá-los. Seria bem melhor se os valores atuais fossem mais reais. Embora nem sempre concordemos com muita coisa que acontece, temos que conviver com elas, e não desconhecer as regras do jogo. Isso nos ajuda a viver melhor. Como mãe, faço um esforço muito grande para passar para meus filhos o lado verdadeiro da vida baseado em valores também verdadeiros. Não sei como será o mundo daqui a alguns anos. Talvez este tipo de formação que damos aos nossos filhos até os atrapalhe e esteja superada. Sempre digo que é importante para a criança e o jovem de hoje saber em que o futuro está nas mãos deles, e que poderão realizar coisas boas, grandes e úteis.
IZZA – Esta é uma forma de pensar das pessoas que já batalharam, mas veja hoje em dia o mais comum é a ambição, o subir cada vez mais. Não é?
RACHEL – A ambição não é pecado, pelo contrário, é a mola do progresso, desde que seja uma ambição sadia. Acho o dinheiro fundamental para você viver materialmente bem. E dizendo isto, incluo, uma série de itens que dão prazer, como por exemplo, ter uma alimentação saudável e agradável, morar bem, poder educar e dar instrução para seus filhos, poder ter recursos especiais em uma doença, etc. Ter dinheiro não é defeito. Porque, para obtê-lo, tem que se batalhar muito, e para mantê-lo, mais ainda. A vida está cada dia mais difícil para todos. Não podemos condenar as pessoas que querem subir e melhorar de vida pois são elas que trazem o progresso. Nós mesmos trabalhamos e lutamos, por quê? Se fossem todos acomodados e sem objetivos, sem ideais, seríamos o quê? Improdutivos, inúteis? Isto dentro do contexto atual do mundo em que vivemos. E claro que existe o outro lado. Não somos máquinas insensíveis. Temos uma alma, sentimentos, emoções e obrigações para com o nosso próximo. O viver hoje é muito competitivo, é uma guerra, e as armas são as mais inesperadas. Mas a condição é a mesma: atualmente é muito difícil sobressair em qualquer campo. Para que se tenha sucesso, batalha é constante e a luta ê grande.
IZZA: Quanto à realização profissional?
RACHEL – Me sinto realizada em termos. Sou capaz de enfrentar e superar muitas coisas. Comecei a trabalhar muito cedo, cresci vendo meus pais me darem um exemplo muito grande de dignidade e trabalho. E sinto que agora sou capaz de realizar muito mais do que até então realizei. Com a experiência desses anos passados, aprendi muito. Estou sempre aprendendo, e assim pensando, não quero estar nunca realizada, porque, se assim me sentir, me acomodarei. Não quero isto. Desejo participar, agir, colaborar, viver…
IZZA – Você me contou que começou a trabalhar aos dezoito anos, o que você fazia?
RACHEL – Fui bancária, e aos vinte e dois anos me casei, trabalhando então com o meu marido. Minha sogra foi pioneira ao abrir a passagem via terrestre por Uruguaiana, trazendo maçãs da Argentina para o Brasil. Como muitos imigrantes e vieram do Líbano, começaram a trabalhar, enfrentando muitas dificuldades num país estranho com poucas condições pessoais. Tiveram uma família numerosa que criaram com muita luta. E acho que as condições que os filhos obtiveram são provenientes do maravilhoso trabalho e exemplo deixados por seus pais. Uma das prioridades que minha sogra tinha, foi ceder o primeiro frigorífico de maçã que construíram para o meu marido começar sua vida. Ali começamos a trabalhar no mesmo ramo da família do Monir, e ele muito empreendedor, seguiu em frente; foi para São Paulo e lá diversificou sua atividade no mesmo ramo, aonde está até hoje. Trabalhávamos bastante. Foi uma época muito boa. Quando nasceu meu primeiro filho, parei de trabalhar. Senti deixar um negócio que havia começado bem pequeno e que vi crescer e solidificar em minhas mãos.
IZZA – E você acostumada a trabalhar não sentiu falta?
RACHEL – No começo até que não. Era muito bom não ter hora para acordar nem para chegar. Tipo começo de férias. Porém, logo o Monir se iniciou na construção para não ficar apenas com um tipo de comércio, e entrei na ativa outra vez.
IZZA – Teus sogros, como tantas pessoas de que temos conhecimento, subiram por seu próprio esforço, produziram e encaminharam a família. O que você pensa sobre isso? Por que hoje em dia isso é quase impossível?
RACHEL – Outra época, outras cabeças. As pessoas tinham outra forma de viver, de pensar. Trabalhavam, economizavam, viviam simplesmente, com um único objetivo; crescer. Não havia o consumismo de hoje E ao mesmo tempo os estrangeiros que chegavam ao Brasil, traziam em sua bagagem de vida, uma qualidade especial – VISÃO. Muitos aqui chegavam refugiando-se das guerras, pessoas sofridas, que davam para cada minuto de vida e para cada migalha de pão que caísse no chão, muito valor.
IZZA – Como é teu temperamento?
RACHEL – Tenho meus altos e baixos. Mais altos, graças a Deus. Sou leonina e simples. Gosto de pessoas simples, autênticas, leais. Acho uma delícia conversar com gente verdadeira. Não sou uma mulher que exige além do que pode ter. Sou mais calma do que pareço e não gosto de aparentar o que não sou. Sou o que sou. Também acho que a mulher hoje em dia é quase mulher maravilha, sua atividade e seu campo de ação estão sempre em emancipação, e ser mãe, dona de casa. Trabalhar fora educar os filhos, estar disposta, alegre e contente o tempo todo, não é fácil.
IZZA – Você se relaciona bem com os teus filhos?
RACHEL – Nosso relacionamento é muito bom. É franco, aberto. Eles têm liberdade de perguntar, pedir, dizer não. Embora toda liberdade tenha que ser disciplinada. Nossos filhos encontraram tudo mais ou menos pronto. Os valores deles são outros. Minha preocupação maior é a de despertar uma consciência em relação às obrigações todas, como pessoas, como filhos, como irmãos, como amigos, como cidadão. Às vezes, discutimos porque de forma nenhuma eles podem pensar como nós. Existe uma pretensão no adulto de sempre estar certo.
IZZA – Onde você nasceu?
RACHEL – Nasci aqui, na casa de meu avô Simão Mansur, um grande homem. Quando eu tinha dois anos meus pais se mudaram para o interior de Castro, onde meu pai tinha muitas terras. Lá passei grande parte de minha infância, em uma fazenda muito bonita. Naquela época, não havia escola no tocai. E minha mãe optou por me internar no Colégio São José de Castro. Um colégio excelente e de cujas Irmãs guardo uma recordação maravilhosa. Se eu não aprendi mais coisas, se não me aperfeiçoei mais o não fui melhor aluna, foi porque não quis, pois tive todas as chances.
No Colégio São José de Castro aprendíamos desde pintar, tocar piano, bordar e principalmente conviver. A disciplina era rígida e benéfica. As alunas internas iam para casa nas férias de julho e final do ano. Nessa época, meu pai era prefeito da cidade. Meu pai, diga-se de passagem, foi um homem muito bem quisto. Até hoje, na cidade há o nome dele escrito nos postes de luz, “Miguel pai dos pobres”. Ele deixou uma bela lembrança, pois ajudou, durante muito tempo, muita gente. Era idealista e tinha um senso de justiça social muito grande. Inclusive Izza, ele e teu avô, ambos falecidos, faziam negócios, pois meu pai tinha também uma cooperativa que fornecia muitas localidades e comprava muito da firma Benjamim Zilli. O nome de meu pai era Miguel de Suss Assad.
IZZA – Você faz filantropia?
RACHEL – Sim. Desde muito cedo aprendi a ver o outro lado da vida. Na fazenda de meu pai, há muito tempo atrás, quando ainda era criança, observava minha mãe empenhada profundamente em ensinar aquelas pessoas humildes, desde tomar banho ou fazer uma mamadeira, a escrever e a se alfabetizar. Embora fosse filha de pais que tinham boas condições de vida, eu era também filha de pais que não ignoravam a necessidade alheia, e com eles aprendi também a olhar para trás. Faço parte de algumas entidades filantrópicas. Sempre sou requisitada para colaborar, o que faço com gosto. Porque quanto mais você doa e se doa. Quanto mais, você vê o quanto ainda tem por fazer. O que mais me emociona e preocupa é a infância das ruas.
Saio de casa todos os dias bem cedo e sinto dor no olhar quando deparo com crianças dormindo na rua. Por mais que se empenhem em criar creches, escolas e instituições, para recolher essas crianças, é difícil combater pais irresponsáveis, que colocam filhos no mundo, tirando suas chances mesmo antes que eles comecem a viver. Deus, em sua infinita misericórdia, só Ele poderia fazer o milagre de colocar responsabilidade no ato de gerar uma criança na consciência destes pais. O mal não está na criança que te pede esmola, está mais atrás, na mulher e no homem que a geraram, sem pensar na criança que vai nas cer.
IZZA – Você acha que existe alguma solução para a crise atual?
RACHEL – Izza, sinceramente, se eu tivesse conhecimento de uma solução milagrosa, eu juro, já teria feito a sugestão às autoridades competentes. Temos uma inflação de 30% ao mês. Temos uma moeda simbólica, temos um país que não tem superpopulação, mas que tem desnutrição, estatais queimando dinheiro, a máquina do governo funcionando a todo vapor, próximas as eleições, tudo isto tem um custo. Temos boicotes importantes no desenvolvimento nacional, temos taxas que sobem todos os meses, como telefone, água, luz, condução, combustível, etc.— Não temos um pulso firme no governo, não temos uma economia direcionada para o progresso e segurança de um País. Temos ainda graças a Deus, a iniciativa privada, com líderes de classes, com consciência, e de certa forma até patriotismo, além de um povo heroico, corajoso, que não anima, embora alguns partidos políticos quase o conseguiram. O Brasil precisa, urgente de um milagre, em forma de pacote, ou não, mas precisa de uma solução, já com bastante atraso.
IZZA – E nas horas de folga?
RACHEL – Acho que quase não tenho horas de folga, mas gosto de ler, de escrever. Tenho uma vontade muito íntima, quase um sonho, que vou te contar, desde pequena gostei de escrever. Lá pelos meus 16 anos ou mais, minha mãe que era muito amiga de Serafim França, (hoje ele já faleceu), levou para ele ver meus trabalhos, e surpresa ficou quando ele realmente disse que eu levava jeito. Ainda quero, se Deus quiser, publicar meu livro, data que penso estar próxima. Tenho um compromisso comigo mesma de doar a renda para determinadas entidades. É uma promessa feita diretamente a Deus, de nunca usar uma parte, por menor que seja, do que arrecadar em qualquer época com meus escritos, a não ser de forma beneficente.
IZZA – Como é a Rachel?
RACHEL – É difícil falar. Tem dias que me gosto, tem dias que não. Sou uma pessoa fácil, simples, e minha filosofia de vida é tão grande e tão pequena ao mesmo tempo. Sou uma amante profunda da vida, pois é um dom maravilhoso recebido por Deus. Sem fé, é impossível viver. Não importa no que você acredita, é importante crer. Acreditar nos outros é necessário e principalmente em você mesma, para poder realizar alguma coisa. Dar amor para receber compreensão e carinho. A gente colhe o que planta. Se plantarmos um matinho, nunca colheremos uma fruta ou uma flor. Meu princípio de vida foi sempre fazer o bem sem olhar a quem. No lado prático, dificilmente quem cumpre bem suas obrigações não se dá bem, a não ser que circunstâncias alheias a tua vontade aconteçam. Toda pessoa, para ser feliz, tem que ser reconhecida. Não se deixar abater por nada, ter fibra. Tive uma lição de vida muito grande de meus pais. Nunca esmorecer, nem enfraquecer, nem ter medo. Sempre ir à luta, de preferência vencer. A mola mestra de cada pessoa é a força de vontade, é o querer realmente.
IZZA – Você diz ser tímida, mas fala muito bem?
RACHEL – A maior parte de minha infância e boa parte da adolescência passei no colégio interna, e sempre me escolhiam para falar em sala de aula. Em festas. A timidez, muitas vezes vem de uma insegurança, pelas coisas que passamos. Ela é uma conseqüência, uma defesa. Às vezes uma pessoa de temperamento exuberante pode usar isso como uma defesa, uma pessoa extremamente antipática também, e assim por diante outras se fecham. Quando fiz dezoito anos, tive que assumir uma posição, porque na época meus pais estavam passando por uma fase financeira muito ruim e tive que começar a trabalhar, numa época em que moças vindas de família como a minha não tinham por hábito trabalhar fora. Graças a Deus tive sorte e trabalhei com pessoas maravilhosas de quem até hoje me lembro com carinho e considero meus amigos.
Se você me perguntar quem são meus amigos, eu te respondo que só vou saber no final de minha vida, porque de repente, um amigo pode ser alguém que te atende num momento de necessidade, alguém que te ajude a solucionar um problema momentâneo. Se você for a uma repartição com a finalidade de tirar algum documento, poderá encontrar certa dificuldade, porém um funcionário simpático, gentil, que de oriente e ajude, neste momento será teu amigo. Graças a Deus em minha vida, sempre tive a sorte de encontrar no momento certo, as pessoas certas. Posso dizer que encontrei muitos e bons amigos, mas um amigo incondicional que não dependa de você ter uma situação de destaque ou não, isso sim, posso dizer que tenho, uma amiga maravilhosa, incondicional, companheira. O único defeito que ela tem é não ser imortal, “minha mãe”.