Curitiba, 31 de janeiro de 1988
SALETE CHIAMULERA, pianista, representa uma de nossas mais caras esperanças musicais. Foi a segunda paranaense selecionada para participar do XI Concurso Internacional de Piano Frederic Chopin, evento dos mais importantes do mundo musical, realizado na Polônia a cada cinco anos. Lá permanecem por dois anos, aprimorando sua arte. Realizou sua arte espetáculo com Wojciech Siemion, ator e diretor polonês em Varsóvia, no Teatro Prhovnia. Constante destaque. Salete nos conta um pouquinho de sua vida e de suas experiências. Gente nossa.
IZZA – Salete, como foi o início de sua carreira?
SALETE — Eu iniciei meus estudos com minha irmã Valentina, mas a minha formação básica esteve a cargo da pianista Liane Essenfelder Cunha Mello Frank, com quem estudei durante sete anos, no Curso de Piano na Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Nesta mesma escola concluí o Curso de Licenciatura em Música e o curso superior de Instrumento. Depois, fui assistente da pianista e professora Maria Leonor Mello de Macedo na Escola Superior de Música de Blumenau. Atuei com o pianista Gley Leichsenring e realizei espetáculos na capital e interior com a escritora Luci Mata Colin, sob a direção e produção da Astarte Assessoria Fui responsável pelas cadeiras de Estética e Percepção Musical na Embap.
Tive aulas com Dilma Sigwalt, Vania Pimentel, Marco Antonio Almeida e Osvaldo Colarusso. Estudei também com Luís Thomaszeck. Fiz muitos cursos de aperfeiçoamento, com Homero de Magalhães, Heitor Alimonda, Antonio Bezza, Magdalena Tagliaferro, Jaques Klein, Miguel Proença e Artur Moreira Lima, e o restante, minha viagem â Polônia, onde permaneci durante dois anos. Sempre gostei de tocar. Cheguei a fazer até o 4 ano de Engenharia, mas a arte falou mais alto. Mesmo na faculdade, eu sempre dava um jeitinho de tocar. Senti sempre o piano como forte, necessidade de comunicar. As pessoas têm bastantes impressões na vida, e todo ser humano tem a necessidade de comunicação; o piano ô a minha forma de comunicar “profundamente”.
IZZA – Como você estabelece a comunicação com o compositor?
SALETE — Na Polônia foi amadurecendo. Ainda está em processo de formação o meu caminho artístico. Por exemplo, tenho uma página de música, estudo a vida do compositor, primeiramente para entender como ele sentiu aquela emoção; identifico-a com a minha vida, com o que já vtvi parecido, empresto a emoção, para dar ênfase. O bom do artista é quando ele estabelece essa comunicação, como eu estou conversando com você. Através de palavras ele consegue transmitir musicalmente, e é uma coisa muito profunda, porque as palavras são ilimitadas, mas se eu toco uma sequência ou um acorde, através do som a profundidade é maior.
O pianista é artista porque dá vida, tem que estudar a história, a vida do compositor e entendê-la para que possa transmiti-la melhor. O mais importante é comunicar a essência. Tive uma experiência multo válida na Polônia porque estudei e conheci Chopin profundamente. Na época em que ele lá viveu, a Polônia não existia politicamente, estava dividida, mas o sentimento era muito forte. Chopin era um revolucionário e com apenas vinte anos de idade teve que sair de sua terra porque era contrário às autoridades. Fugiu e nunca mais voltou, mas todo esse amor pelo país permaneceu em seu coração, nas Mazurkas e Polonaises. São obras populares que ele estilizou de forma genial. Por isso foi importante a minha estada lá pois conheci todo o encanto e a aura que existem em sua música.
IZZA – Dá para sentir sua paixão por Villa-Lobos. Conte-nos o porquê de sua admiração.
SALETE — Eu o admiro muito. Antes de minha viagem, já tocava suas obras, e quanto cheguei a Varsóvia, estando longe do Brasil, sentia muitas saudades e, através de Villa-Lobos, vivia a minha terra. Isso, inclusive, me dava certa abertura, por ser uma música espontânea e brasileira. Me pediam muito para tocá-la. A introspecção é uma característica do povo polonês, e eles se deslumbravam com a exuberância e o exotismo. Isto para mim significava o Brasil lá for. Acho que aqui ele ê conhecido, mas não o quanto deveria ser. Quando vivia, declarou, achando-se pouco valorizado, que “suas obras eram como cartas que enviava para a posteridade”, e a posteridade somos nós. O museu Villa-Lobos tem muitos recursos. O que Chopin fez com a Polônia, de estilizar, Villa-Lobos fez com o Brasil, portanto, nosso País está na vida de Villa-Lobos, assim como a Polônia está na de Chopin.
IZZA — Como você foi recebida em Varsóvia? Não foi difícil permanecer dois anos fora do Brasil?
SALETE – O povo é muito hospitaleiro, mas como eu não sabia a língua, no início tive algumas dificuldades, também pelo clima. Cheguei lá no outono, e já fazia muito frio. Em dezembro começou a nevar. Eu saí muito cedo de casa para estudar, ás vezes a trinta graus abaixo de zero. Apesar de falar inglês e francês, foi difícil, mas o importante era a minha grande paixão por estudar, aprender. Depois de seis meses, as coisas já estavam melhores, porque consegui um lugar na casa de estudantes, e comecei então a conviver mais com jovens. Nesta altura eu já entendia bem as aulas em polonês. Aproveitei todas as oportunidades; participei de um concurso na Filarmônica de Varsóvia e ganhei uma bolsa. Trabalhei com uma professora que se interessou pelo meu trabalho. Fiz exames na escola e fui aceita. Lá fiquei dois anos. Assisti a muitos concertos, porque lá a vida cultural é completa e não dispendiosa.
IZZA — Quais são os seus planos futuros?
SALETE – No momento, estou estudando para o Concurso Villa-Lobos. A eliminatória será em abril e a final, em agosto. Depois pretendo viajar, talvez para os Estados Unidos, para fazer novos cursos, e voltar para a Polônia, para tocar. No momento, não tenho algo definido, somente o concurso para o qual me preparo diariamente, desenvolvendo recursos e estudando muito.
IZZA – Você acha que no Brasil o artista recebe a devida valorização?
SALETE — O reconhecimento ao artista depende muito de seu trabalho, que não é pouco. Quando dei concertos aqui, a metade do tempo eu estudava e a outra metade procurava patrocinadores, porque não havia quem fizesse. Eu empresariava, e muita gente colaborava. Montar um recital é muito trabalhoso.
IZZA — Sabemos que um artista necessita de muitas horas de estudo diariamente. Isso não é desgastante?
SALETE — Para quem gosta da arte é uma missão gostosa: quanto mais eu estudo mais gosto de estudar. Um psicólogo dizia: “A gente tem níveis de concentração, e quando passamos, conseguimos atravessar esse limite, mais se consegue”. Se mantemos a concentração por duas ou três horas, depois disso o trabalho é fascinante, mecânico, intelectual e emocional; é completo, dedos, cabeça e emoção. Eu estudo sempre a meu favor, conforme a minha emoção. Se estou triste, pego uma obra triste, se estou apaixonado escolho uma música que transmita esse sentimento.
IZZA – Você se dedica a outras atividades eventualmente?
SALETE — Sim, coordenei a campanha política de minha irmã, Rosa Maria. Quando se tem a capacidade de coordenar idéias musicais, qualquer coisa se toma fácil. Quando começo, vou em frente: gosto de realizações, me apaixonar por uma ideia e vê-la cumprida. Quando se tem um ideal, se trabalha por isso.
IZZA – Salete, e a tua vida pessoal, como é que você concilia?
SALETE – Acho que o mais importante é que sou uma pessoa de muita fé. Adoro a convivência familiar, sou extremamente caseira e tenho uma vida pacata Claro, pretendo me casar, ter família, mas para isso deve haver muita compreensão. Me dedico muito porque estudo o dia inteiro, e às vezes levo uma partitura para estudar na cama, mas vejo isto como um trabalho como outro qualquer, só que exige muito de nós mesmos. Além disso, o artista necessita de uma vida emocional estável, tranquila porque trabalha muito com a sensibilidade. Também o amor pelo instrumento é essencial.