Curitiba, 20 de setembro de 1987
MADI CORRÊA. Paulista, morando em Curitiba desde 1965, Madi conquistou e conquista muitas pessoas por sua franqueza e simpatia. Psiquiatra, formada pelo instituto de Psicanálise de São Paulo e em Psicologia pela Universidade Católica de São Paulo, agora é proprietária da Arte Corrêa Galeria, o que justifica seu conhecimento e gosto pela arte. Com quatro filhos e quatro netos, muito orgulhosa por ser vovó, curte momentos com a família, muito barulho, adora viajar e conversar. Espirituosa, enfrenta os problemas com bom humor e paciência, pois lidar com artistas não é tarefa das mais fáceis. É uma pessoa que não tem medo de revelar aquilo que pensa, muito menos medo da crítica, ou da opinião a respeito do que diz. Esta é Madi.
IZZA – Como você definiria o momento das artes na cidade de Curitiba?
MADI – Marasmo em Curitiba, marasmo do Oiapoque ao Chui, epidemia brasileira. Aqui ou em qualquer lugar bons artistas, belas exposições, ansiedade, expectativa, nenhuma reação.
IZZA – As atividades da Galeria, organização e montagens de exposições, exigem muito de você. Como consegue conjugar casa, família, galeria?
MADI – Ah, eu não tenho o hábito de dormir… Bem, não há conciliação mas um ajuntamento de funções: trabalho na Galeria e faço de conta que teia de aranha se harmoniza com certas peças da casa (alguém sabe de uma boa diarista, por favor?), a família com personagens grandes e miúdos, colaboram para a desordem e para a reposição da ordem, é preciso almoçar, jantar, conversar. A gente até consegue.
IZZA – Você é metódica?
MADI – Aí está uma qualidade ausente. Não sou metódica. Tento manter as coisas organizadas, ainda assim confesso, improviso, bastante, porque acontecem fatos inesperados e é preciso dar conta de tudo, ou ao menos tentar. Na época de meus filhos pequenos, tudo era simples: existia “mão de obra”. Hoje chega a ser complicado.
IZZA – Explique o porquê de sua preferência ou melhor, sua paixão pelo papel?
MADI – Não sei. Já me ocorreu que a placenta da minha mãe fosse de papel. Eu me entretia com papel a tal ponto que, aos sete ou oito anos de idade, ganhei um presente inesquecível, precioso: um mostruário de papéis de vários tipos diferentes, dezenas, brancos, coloridos, grossos, leves, de seda, lindos. Ninguém podia tocá-los. Não guardei nenhum quadro dela, na minha recordação de infância, entretanto, qualquer pessoa que fizesse um desenho passava a contar com imediata simpatia. Lápis, aquarela, guache e, um dia, a grande descoberta: a gravura. De qualquer maneira, o papel é uma sedução. Certa vez, numa exposição de Lina Yara, belíssima por sinal, cumprimentei-a comentando: meus parabéns, papel não mente. Creio que ela gostou.
IZZA – Algum tempo atrás você publicou um artigo na revista “QUEM” sobre salões de arte. Para os que não tiveram a oportunidade de ler, em síntese, qual é a sua opinião sobre os salões? O que deveria mudar?
MADI – Salão é julgamento, o artista inscrito quer ser julgado. Simples como dois e dois são quatro. Se o resultado nem sempre satisfaz, surge a discussão sobre o assunto e é ótimo que se discuta, desde que isso ocorra com objetividade, cabeça fria, sem interferência de gosto ou afinidades pessoais. O júri é frio, deve ser, precisa ser. Não vejo porque nem como alterar as regras do Salão de Arte. Curitiba, Antonina, Veneza, Cabreúva, qualquer ponto serve para sede. Veneza dá mais status ao currículo… – importante é a confiabilidade, a lisura. A triagem se processa automaticamente. O Salão sem estrutura desaparece naturalmente. Seus próprios artistas encaram com rigor a situação e desconfiam do eleitorado, devem recusar-se à candidatura. Indispensável lembrar: premiação não é passaporte para a glória; e como recusa, não se constitui em pena de morte.
IZZA – Você já foi convidada a participar como jurada de um desses eventos?
MADI – Sondada sim, declinei da gentileza, reconheço a falta de capacidade para me arvorar em juiz de arte. Discuto as minhas opiniões comigo mesma.
IZZA – Morando em São Paulo e convivendo diretamente com artistas de galeria, em algum momento você foi influenciada por algum dos fatores mencionados quando pensou em abrir a sua galeria?
MADI – Fui sim. Considerei a menor dificuldade de trazer artistas bons, ainda desconhecidos aqui e interessá-los no trabalho dos nossos artistas de Curitiba, a fim de forçar um pouco o tal túnel São Paulo-Rio de circulação, livre somente para um punhado de nomes, fato que não tira o valor de quem o tem. Muita gente já levantou voo daqui para fora e isso me alegra de verdade. O mérito não é meu não, por umas quantas razões não comecei ainda a executar meus planos. Quem é bom de pernas caminha sozinho. O Elvo está expondo no Centro Cultural de São Paulo, Cláudio Alvares tem entrada livre lá e felizmente, gravadores, pintores, tantos outros, eu só faço bater plumas. Vejam Francisco Faria, bicho do Paraná.
IZZA – Qual a filosofia da “Arte Corrêa”?
MADI – Trabalho sério, aliás, isso é pleonasmo ou deveria ser. Desmistificar o marchand, a galeria, o artista. Marchand é comerciante, galeria é lojinha, o artista é criatura normal, comum, com suas preocupações, problemas, carências e sobre- tudo dedicação e talento. Dessa ligação surge a filosofia da Arte Corrêa: calor humano na maravilhosa troca de instantes de vida, bem construídos e saboreados.
IZZA – “De médico e louco, todos nós temos um pouco”. Você concorda com a afirmação?
MADI – Estamos muito menos médicos e muito mais loucos. Vizinhos se aconselham, pirâmides, energia mental, alimentos naturais, pêndulos imantados, enfim, esperança para todos os gostos: Nada de novo nem prejudicial, se a dose for razoável… Em contrapartida enriquecemos urânio enquanto a meninada nos assalta, grita-se por direitos humanos, contra a pena de morte e pela boa alimentação nas prisões. As favelas crescem, crianças nascem, incham e morrem. Mata-se nos hospitais, casualmente e impunemente em transfusões com sangue contaminado nestes tempos da AIDS e outras moléstias fora de moda, embora atuantes. Não pagamos a dívida, pagamos o pato pelo desregramento, pelo descaso, pela desabusada conduta da equipe de comando nesse país em que se plantando tudo dá Infelizmente com agrotóxicos poluentes, nuvens venenosas, afinal, nós também temos nosso chernobilzinho, receita caseira. Desde 1500 estão tentando acabar com essa tetra, é mister reconhecer com certo sucesso.
IZZA – Como você vê o feminismo?
MADI – Mulheres e homens com igual competência, exercendo as mesmas funções, remuneração igual, de acordo. Elas e eles devem participar do trabalho da casa. Se o avental toma o homem palhaço, porque a mulher deve submeter-se a esse papel imbecil? Proteste amiga, divida o avental, lavem, enxuguem, cozinhem juntos. Casa, departamento feminino, isso é chavão. Reparta-se a tarefa, a execução, a responsabilidade. De acordo. Porém, pois é, o porém… Criar filhos não toma a mulher burra, a mulher mão de fada não entra obrigatoriamente na categoria de ignorante. O dia a dia da casa entedia com frequência, por repetitivo, maçante. Qualquer profissão carrega as mesmas dificuldades, sucessos, cansaço. Respeito a dona de casa, admiro a paciência, perseverança. Ela deve respeitar-se. Mulher liberada independe do tipo de absorvente e do modelo de maiô. Madre Teresa de Calcutá é fantasticamente livre. Livre escolha, livre arbítrio, avançar, recuar com sabedoria, impor e ceder, são prerrogativas de amadurecimento, seja do homem ou da mulher. Este assunto vai longe! … Por enquanto, nego-me a carregar bandeira: nem cheguei a entender o feminismo, questão profundamente complexa… Ando muito ocupada.