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“VI E COMPREENDI QUE O MUNDO E MUITO MAIOR DO QUE EU IMAGINAVA” conta Bernadete Zagonel

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Curitiba, 27 de janeiro de 1989

BERNADETE ZAGONEL, Professora da Universidade Federal e da Escola de Música e Belas Artes, mora atualmente em Paris onde faz doutorado sobre ‘‘o ensino da música para crianças ligadas à música contemporânea’ Escritora, pesquisadora colaboradora da Gazeta do Povo, onde escreve esporadicamente sobre\ música, Bernadete é superdinâmica e dedicada ao que faz. Ela nos conta nesta entrevista o que está realizando, o que pretende, e como vive em Paris. Esta é Bernadete Zagonel.

 

IZZA – Bernadete, há quanto tempo você está em Paris?

BERNADETE – Há três anos e três meses, eu fui em 85. Antes de ir, eu era professora na Universidade Federal, no curso de Educação Artística e na Escola e Músicas e Belas Artes no curso de Iniciação Musical, para crianças. Eu fiz licenciatura e mestrado na Universidade Federal e consegui esta bolsa pela Capes, órgão do Ministério da Educação que da bolsas, para fazer este doutorado em Paris.

IZZA – Sobre o que seria o seu doutorado?

BERNADETE – Estou fazendo doutorado em Musicologia na Sorbonne, e o meu assunto de tese é “O Ensino da Música para Criança ligada à música Contemporânea” que seria a utilização de toda a estética da música contemporânea dentro do ensino da música para crianças.

IZZA – Foi difícil você ganhar esta bolsa?

BERNADETE – Foi ainda mais para arte, que aqui no Brasil sempre está em segundo plano. Enfim foi difícil, mas consegui. Faço também paralelamente outra coisa, uma é esta pesquisa para o doutorado (agora já estou na fase da escrita porque já fiz toda a pesquisa de campo); e a outra é a composição de música eletroacústica que é uma das correntes da música contemporânea. Se faz com todo o tipo de som; um pouco eletrônica e um pouco com sons naturais, que você grava, transforma e vai compondo. Inclusive, hoje eu estive com o padre Penalva no Solar do Barão, ele tem um atelier de música contemporânea.

IZZA – No que consiste a sua tese?

BERNADETE – Como o assunto é música contemporânea ligada ao ensino, eu resolvi fazer uma pesquisa nos conservatórios, nas escolas de música da região parisiense. Consegui uma lista de 20 conservatórios dentro dos quase quatrocentos existentes na região, que trabalham já com música contemporânea, ou que têm curso de composição ou eletroacústica. Fui visitá-los, primeiramente os diretores, e depois comecei a assistir aulas de iniciação, uma série enorme para fazer a análise dos dados, e fiz também um questionário para todos os professores para completar esta pesquisa. O que eu quero é chegar no final, a alguma conclusão disso tudo e se é possível trabalhar a música contemporânea com crianças integrando isso tudo à música tradicional ou clássica, aquela de notinhas, musicais tonal, modal etc. porque, na minha opinião é possível fazer as duas coisas, porque já tem muita gente fazendo coisas interessantes neste sentido.

IZZA – E a música eletroacústica?

BERNADETE – Eu faço paralelamente, mas é em complementação na verdade. O que eu quero quando voltar para cá, é fazer, se for possível, um estúdio deste tipo de música e trabalhar com as crianças. Bem, não só as crianças, se for possível, envolver meus alunos da Federal do curso de educação artística e talvez até o público, músicos ou não músicos. Essa é minha intenção para a volta que ainda não está definida. Eu gostaria também de fazer um atelier ou cursos fixos.

IZZA – Esse é um método inovador aqui, não é?

BERNADETE – É, aqui é. Existem algumas pessoas que já trabalham com isso, que provavelmente fizeram cursos na França, mas são poucas. Agora estou tentando me informar mais sobre isso e cheguei à conclusão de que são dois ou três. Seria o 1º atelier a ser formado para trabalhar assim. Ai eu teria que envolver ou uma secretaria de Cultura com a universidade, ou não sei, varias instituições para poder atender um maior número de pessoas.

IZZA – Por que você optou por isso?

BERNADETE – Porque é um tipo de música do nosso século. Toda a criança gosta de mexer com aparelhos, gravador, gravar sons e em segundo lugar, esse tipo de música propícia a criação. Porque, normalmente aprendemos um instrumento, e interpretá-lo mas nunca chegamos ao nível da criação. Aqui em Curitiba nem existe curso de composição, imagine… então a música eletro acústica, você faz antes de tudo. Tanto a criança como o adulto têm a possibilidade de, mesmo dominando um pouquinho só a técnica da gravação, fazer música. Em geral, nas escolas e nos conservatórios não se pode criar se bem que agora a mentalidade está mudando um pouquinho, mas antigamente não era permitido de forma alguma.

Antes era aquele ensino de solfejos etc. e nos anos 20 começaram a criar na Europa o que chamamos de métodos ativos. Uma série de músicos e pedagogos, criaram métodos mais soltos e abertos de ensino onde a criança participa, mas sempre dentro da música clássica, tonal, e isso vem sendo feito até hoje. Mas referente ao ensino, se levássemos em conta o que está sendo feito hoje somente de uns dez anos para cá é que a coisa tem começado e se tem feito experiências descoberto novas fórmulas de ensinar música, que não se restrinjam só a este sistema tonal, às notinhas etc. Muitas pesquisas têm sido feitas, jogos vocais, instrumentais, e já existem alguns livros editados sobre o assunto, então o meu interesse é esse é claro, adquirir uma boa base lá, trazer para cá e ir adaptando ao que a gente tem aqui. Este tema mesmo em termos de Europa é um assunto relativamente novo.

IZZA – O que você pensa sobre o apoio dado às artes?

BERNADETE – Aqui o músico não consegue viver disto, tem que fazer tantos bicos, e você pode notar que no caso de corte, uma das primeiras coisas a serem eliminadas é a cultura, a arte. Artes plásticas aqui, está em moda, têm muita divulgação. Acho que o período está favorável a isso, mas em questão de música, a divulgação é bem menor, assim como o teatro.

IZZA – Por que você está optando por Curitiba para introduzir este método? Você não acha que teria mais sucesso num centro maior?

BERNADETE – A impressão que eu tenho, é que Curitiba é uma boa cidade para isso porque são poucos os centros onde se faz alguma coisa em matéria de música e aqui, não sei se é pela origem européia da maioria das pessoas, creio que a música é mais valorizada e existe terreno para trabalhar.

IZZA – E como andam as artes na França? Lá, ela é mais divulgada?

BERNADETE – É difícil falar de França e Paris, porque tudo é centralizado ali Eles querem descentralizar, mas em termos de música, existem outros centros como Lion que tem um ótimo conservatório; em Marselha tem um grupo de música experimental fantástico, em Burge etc. mas na verdade as coisas acontecem mesmo em Paris. É uma capital do mundo no sentido cultural, porque lá encontramos tudo o que queremos. Os maiores músicos do mundo passam lá todos os anos, então temos todo o tipo de espetáculo, mas no tocante ao ensino, eles acham que é pouco, que não é bom, mas quando pensamos com a nossa cabeça de terceiro mundo, de Brasil, a gente acha que é muito bom o que eles têm.

Veja, na região, parisiense. (Paris e mais 50 quilômetros ao redor), existem 370 conservatórios oficiais, então em toda cidadezinha existe uma escola de música, e são escolas que em geral funcionam, que têm uma estrutura, o estímulo é grande. Isso depende da cabeça do diretor e em algumas escolas trabalham muito com música contemporânea, têm estúdios, cursos de música eletroacústica, cursos de composição e fazem um bom trabalho com as crianças. Eu inclusive já assisti trabalhos ótimos, uma maravilha.

IZZA – O seu começo foi difícil?

BERNADETE – Quando cheguei lá, vi que o mundo é muito maior do que eu imaginava. Foi muito difícil para mim, engrenar, só agora, eu estou sabendo mesmo, onde acontece, quem é quem e como as coisas funcionam. Em Paris ninguém auxilia, cada um é um, e a gente tem que se virar sozinha. A minha orientadora de tese eu a vejo três vezes por ano, e é tudo. Não é uma orientação como imaginamos aqui, diária. Ela sempre me pede que quando a encontre já traga tudo pronto. Foi difícil para mim descobrir onde estavam as coisas, ir atrás. O sistema que eu usei no início era ir a livraria, fui lendo, comprando livros e, na medida do possível eu até ia atrás dos autores para discutir o assunto e acabei fazendo muitas amizades. Foi uma batalha, porque quando chegamos a um mundo novo, necessitamos nos adaptar. Eu já falava francês o que muito facilitou. Alugar apartamento é muito demorado e difícil. Os Studios são pequeníssimos e muito caros. Depois que nos habituamos e entramos no esquema deles, fica mais fácil porque o francês é muito fechado, individualista. Tenho um temperamento aberto e, faço amizades facilmente. Paris é uma cidade de vida noturna intensa mas caríssima.

IZZA – Quais são seus planos agora para a volta a Paris?

BERNADETE – Minha orientadora pediu que eu pegue uma turma da universidade, lá da Sorbonne para dar aulas de educação musical, e como agora eu estou com uma ideia bastante ampla do que se faz, acho que pegarei um grupo do curso de licenciatura para dar aulas e orientar estágios. Fui convidada também para dar aulas numa associação. Existem muitas que têm professores que dão atendimento a escolas, a creches e, mesmo que a creche não tenha professora de música, eles chamam essas associações que mandam seus professores para atender. Na minha volta vou dar aula numa creche de crianças pequenas. Tenho ainda um pouco mais de um ano, isso vai depender da renovação da bolsa. É uma pena que acabe logo porque agora estou super-entrosada, surgem idéias novas.

IZZA – E sobre o livro?

BERNADETE – Antes de eu sair daqui, eu, a Tereza Boscardim e a leda Camargo de Moura, trabalhamos juntas na Escola de Belas Artes, no Curso de Iniciação. Fazíamos muitas reuniões semanais de pesquisa e acabamos criando um método próprio de ensino de música. Um dia, decidimos pôr isso o papel e criamos um livro que está para sair agora, ela Editora Ática. Como vou embora no dia 10 de fevereiro, veio que não estarei aqui para o lançamento. O livro “Musicalizando Crianças” trata do nosso trabalho, o método, a evolução de nosso sistema de ensino. Quando sai daqui há três anos ele já estava pronto mas somente agora vai ser lançado

IZZA – Você estando longe, como fica a saudade?

BERNADETE – Há dois anos eu não vinha a Curitiba, mas realmente agora foi preciso vir. Eu precisava voltar para cá, para medir a temperatura, ver como as coisas estão acontecendo, que tipo de trabalho eu vou poder desenvolver aqui, inclusive me orientar melhor lá, em função daqui, e como fazia tempo que eu não vinha, eu me sentia meio perdida sem saber o que se passa. A saudade, a gente aguenta. Em Paris tenho muitos amigos brasileiros porque quem está fora precisa do calor do Brasil, gente que fale português, ouça nossa música e que tenha os mesmos códigos e tenha também bons amigos franceses. Ultimamente tenho conseguido fazer amizade com muitas pessoas que atuam em minha área, compositores que frequentemente entrevisto a título de pesquisa para completar a parte teórica de meu trabalho. No final farei um síntese de tudo isso.

IZZA – Como é seu dia a dia?

BERNADETE – Meu dia-a-dia não é monótomo porque, como existe o problema da possibilidade da solidão que todos passam, estou sempre atenta para não cair nessa. Tenho que me preocupar em ter amigos, fazer amigos e cuidar dessa amizade. Faço o meu trabalho e cultivo os conhecimentos. Quando fiz aquela pesquisa de campo, passava o dia todo fora. Ia de trem e me orientava. Atualmente estou mais trabalhando em casa e, como penso em formar uma pequena biblioteca para trazer para cá, pesquiso mais. Creio que em Paris vivem mais de dois mil brasileiros e existem oito ou dez restaurantes brasileiros onde tocam samba, bossa nova etc. Quando fui, eu já estava com tudo arranjado, inclusive levei uma carta de autorização e apresentação.

IZZA- Neste período em que você mora em Paris, o que mais a sensibilizou?

BERNADETE – O que acho emocionante lá, é que temos as pessoas do nosso lado. Há pouco tempo assistia um seminário promovido pelo Instituto de Pesquisa de Música que pertence ao Centro George Pompidou que tem como diretor Pierre Boules que é um dos grandes nomes da música contemporânea francesa. No intervalo falei com ele, o convidei para uma entrevista. A gente participa do processo criador e mesmo transformador e as pessoas são acessíveis, digo as pessoas famosas. A diferença é que aqui recebemos a coisa feita, temos no que nos basear e lá participamos do processo todo.

Explico: você vai num concerto e depois no final, cada um coloca a sua critica. Aqui a gente aceita demais as coisas porque a pessoa é meio mito e está distante de nós, e lá como todo mundo está meio junto, as pessoas famosas permitem proximidade. Com todo o respeito do nome e do trabalho da pessoa, podemos participar da coisa sendo feita. Isto é um ponto que para mim, com cabeça de Brasil, me emociona.

IZZA- Em Paris há algum compositor brasileiro que faça sucesso?

BERNADETE – Sim, o José Augusto Maniz. Ele tem recebido encomendas do Estado para fazer composições. É engenheiro de som, e fez o Conservatório Nacional Superior de Paris, foi aluno de Fillipeaux aqui no Brasil em São Paulo que o encaminhou para fazer o curso de composição. Agora ele é professor, conhecido, está sempre fazendo concertos e conseguiu, aproveitando a época de França-Brasil abrir aqui no Brasil um Centro de Documentação de Música Contemporânea.

A sede deste centro é em Paris, onde a maioria dos compositores franceses estão catalogados com suas obras. O centro já possui filial na Alemanha e no Japão e atualmente ele conseguiu abrir em Campinas, na Unicamp. Acho isso muito importante e o financiamento será dado pela França que dará as partituras, os cassetes e o Brasil entrará com a estrutura e com as pessoas. Mais adiante José Augusto pretende aqui catalogar os compositores brasileiros. É um empreendimento muito importante.

IZZA – Quais seriam os planos para a sua volta ao Brasil?

BERNADETE – Espero contar com as instituições, com a prefeitura, Secretaria de Cultura, não sei ainda, para desenvolver meu projeto que é um coisa importante e inovadora. Este último curso que fiz foi de música eletroacústica assistida por computador. Este, e os outros cursos que pretendo pôr em prática brevemente.

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